J. L. - Com a morte de Alain Resnais, aos 91 anos, desaparece uma figura absolutamente central nas dinâmicas artísticas e simbólicas da Nova Vaga francesa. Ao mesmo tempo, importa lembrar que, por paradoxal ironia, Resnais terá sido um dos elementos mais atípicos do movimento que, nas décadas de 1950/60 abalou o academismo de algum cinema francês, com efeitos muito mais gerais na gestação dos mais diversos "novos cinemas" (incluindo o Novo Cinema português).
A singularidade de Resnais começa no facto de, muita antes das movimentações críticas e estéticas da Nova Vaga, quer dizer, durante a década de 40, ele se ter distinguido como um original documentarista, "forçando" a sua prática muito para além das fronteiras tradicionais do género: Guernica (1950), evocando as atrocidades da Guerra Civil espanhola a partir do lendário quadro de Picasso, ou Noite e Nevoeiro (1955), sobre Auschwitz e a máquina de guerra organizada pelos nazis, antecipam vectores de um cinema moderno empenhado em questionar as formas clássicas de narrativa.
Hiroshima, Meu Amor (1959), O Último Ano em Marienbad (1961) ou Muriel ou o Tempo de um Regresso (1963), sendo momentos emblemáticos da Nova Vaga, podem resumir duas linhas de força complementares no seu universo: a intensidade da memória como matéria de revelação e/ou ocultação da experiência humana e a ambivalência da linguagem cinematográfica, "documentando" essa experiência, ao mesmo tempo, que nos pode encaminhar para zonas em que a sua percepção já não será acessível a uma arte banalmente "ilustrativa" do visível.
Com o passar dos anos, Resnais seguiu caminhos muito próprios e, por isso mesmo, bem diferentes dos outros cineastas da Nova Vaga. Providence (1977), por exemplo, ilustra o seu à vontade no interior da produção anglo-saxónica, trabalhando a partir de um argumento de David Mercer, com um elenco que incluía, entre outros, Dirk Bogarde, Ellen Burstyn e John Gielgud. O Meu Tio da América (1980), com Gérard Depardieu, conseguiu a proeza de ser um dos seus filmes mais arrojados — criando uma estrutura que integra as intervenções do filósofo Henri Laborit sobre as determinações do comportamento humano — e também um dos seus maiores sucessos comerciais.
Com o passar dos anos, a obra de Resnais foi expondo um misto de distanciamento e ironia, bem expresso no díptico Fumar/Não Fumar (1993), inspirado no teatro do inglês Alan Ayckbourn. O seu perene, e muito lúdico, gosto experimental conduziu-o a várias narrativas com importantes componentes musicais, incluindo É Sempre a Mesma Cantiga (1997), com os actores a fazerem playback sobre os registos originais de canções muito populares, e Nos Lábios Não (2003), adaptando uma opereta de 1925.
Os seus últimos filmes lançados no mercado português são Corações (2006) e As Ervas Daninhas (2009). Depois, ainda realizou Vous N'Avez Encore Rien Vu (2012), que esteve há dois anos na secção competitiva de Cannes, e Aimer, Boire et Chanter, apresentado há poucas semanas no Festival de Berlim, onde arrebatou o prémio Alfred Bauer e a distinção de melhor filme da competição, atribuída pelo júri FIPRESCI.
>>> Obituário de Alain Resnais: Le Monde + New York Times.
>>> Nota sobre um livro de Suzanne Liandrat-Guigues e Jean-Louis Leutrat dedicado a Alain Resnais — Cahiers du Cinéma.
>>> Noite e Nevoeiro (1955), na colecção Criterion.