As recentes notícias relacionadas com o encerramento dos escritórios da Columbia TriStar Warner suscitam algumas dúvidas e perplexidades sobre a evolução do mercado cinematográfico — este texto foi publicado no Diário de Notícias (9 Fevereiro), com o título 'Que mercado para os filmes?'.
Creio que cometeremos um erro se encararmos a notícia (conhecida há poucos dias) do encerramento dos escritórios portugueses da Columbia TriStar Warner como um mero ajuste na estratégia global dos estúdios de cinema americanos. É verdade que, de acordo com os objectivos estabelecidos para a empresa, a performance dos últimos anos tinha ficado aquém das expectativas. Em todo o caso, seria precipitado ficarmo-nos pelas peripécias da gestão — pela minha parte, quero mesmo expressar a minha admiração pelas pessoas que, em tempos recentes, trabalharam para relançar nas salas portuguesas as cópias restauradas de alguns clássicos da Columbia e da Warner, nomeadamente Lawrence da Arábia (1962) e Casablanca (1942).
Como pano de fundo surge, inevitavelmente, o poderio económico-financeiro da produção americana. Mas, também aí, o assunto está longe de ser linear: uma coisa é a discussão necessária dos efeitos desse poderio (não apenas no contexto português, mas a nível europeu); outra, bem diferente, é o maniqueísmo ideológico que continua a promover, muito para além do cinema, um anti-americanismo primário — por mim, direi apenas que continuo a considerar o cinema americano como um universo fascinante, de rara riqueza temática e estética.
Acontece que o mercado cinematográfico português, à imagem de uma Europa tecnocrática sem ideias para lidar com a dinâmica cultural e comercial dos EUA, se acomodou à noção global de que as grandes superfícies de exibição (os chamados multiplex) e a dominação dos “blockbusters” (americanos) seriam elementos seguros, virtualmente eternos, para sustentar a exibição dos filmes de todas as origens. Tal inércia ignora sinais importantes: por um lado, a nível interno, o trabalho das “pequenas” distribuidoras (Leopardo, Midas, Alambique, etc.) tem mostrado que há alternativas interessantes para a relação com os espectadores; por outro lado, a urgência de superar a ditadura financeira dos “blockbusters” tem sido defendida, antes do mais, no interior da gigantesca máquina de Hollywood (em 2013, por vozes não propriamente amadoras como Steven Spielberg, George Lucas e Steven Soderbergh).
A empresa extinta funcionava no mercado português há mais de quatro décadas. Para além dos profissionais atingidos por esta decisão, o encerramento da Columbia TriStar Warner envolve uma perda cultural que, em nome da cinefilia, importa sublinhar. Porquê? Porque há um outro dado que tendemos a escamotear quando se pensam estes problemas. Muito mais letal do que a agressividade comercial dos EUA é o triunfo português de uma cultura televisiva que, para nossa maior desgraça, escolheu a telenovela e a “reality TV” como modelos quase únicos. Ou será que alguém acredita que o consumo compulsivo dos horrores do Big Brother está a formar espectadores interessados na pluralidade artística, passada e presente, do cinema?