domingo, dezembro 22, 2013

Um cravo na música do nosso tempo

Um instrumento de um outro tempo em obras do nosso tempo (ou, pelo menos, relativamente recentes). Essa é a ideia que domina o disco que o cravista Christopher D. Lewis protagoniza em conjunto com a West Side Chamber Orchestra (dir. Kevin Mallon) e, pontualmente, o flautista John McMurtery. Harpsichord Concertos junta gravações recentes (efetuadas em setembro do ano passado) de três obras de três nomes marcantes da música do século XX, o alinhamento apresentando a Suite Antique de John Rutter (n. 1945), o Concerto For Harpsichord and Chamber Orchestra de Philip Glass (n. 1937) e o Concerto pour Clavecin et Ensemble Instrumental de Jean Françaix (1912-1997). 

Apesar das ligeiras distâncias geracionais que separam os três compositores e das distintas linguagens musicais em que operam, o conjunto sublinha uma opção clara por uma linguagem não serial, plena de ecos da memória das relações que o cravo teve com a música de outros tempos (o que é particularmente evidente na peça de Rutter), mas sublinhando também espaços de busca de novas formas de abordar a relação com o instrumento. Luminoso e efusivo, o concerto de Françaix destaca a presença do solista, libertando a sua interpretação toda uma carga de memórias que o som do cravo sugere. Bach e mestres do barroco são invariavelmente sentidos entre os caminhos que as composições apresentam, representando contudo o concerto de Philip Glass aquele momento em que mais se nota o estabelecimento de pontes entre essas mesmas cargas e heranças e um presente com uma voz demarcada. Aqui é o instrumento que se adapta à personalidade da escrita, do diálogo nascendo um momento raro de diálogo entre o passado e o presente. Originalmente composto (e estreado) em 2002, o concerto de Philip Glass é expressão natural de uma admiração antiga do compositor por Bach e outros nomes do barroco, mas ao mesmo tempo um exemplo de uma escrita que tanto promove um espaço para a exposição do solista como dá espaço à orquestra para à sua volta poder criar um contexto que tudo arruma no fim.