No filme anterior de Jia Zhangke que passou comercialmente por nós, Histórias de Shangai – Quem Me Dera Saber (pelo caminho ouve Yulu, um outro documentário), havia já marcas de uma vontade em olhar a China de hoje sem o recurso ao registo mais alegórico com o qual em tempos o mesmo realizador olhara O Mundo. Nesse espantoso documentário, visual e narrativamente poderoso, procurava ecos diretos da revolução através de um olhar centrado na cidade de Shangai. Agora, em China – Um Toque de Pecado, usa quatro histórias (aparentemente inspiradas por situações reais) para falar do nosso tempo.
Através de quatro histórias, que passam por lugares distintos da China contemporânea – caminhando de meios rurais a urbanos - Zhangke conta quatro episódios de uma violência a que não estávamos habituados no seu cinema (uma violência que se expressa não apenas nas situações, como até mesmo de uma forma gráfica, que não deixa de refletir de certo modo alguma afinidade com tradições da representação cinematográfica das artes marciais). As desigualdades sociais, a corrupção, a exploração humana, ganham aqui carne e rosto humano. Um ritmo e uma respiração tranquila acompanha a evolução de situações em tudo nos antípodas dessas sensações. Um bailado de morte, gestos de submissão forçada, olhares de resignação que chegam ao limite habitam um dos mais viscerais filmes alguma vez realizados sobre o outro lado de um milagre económico. Na idade dos netos da revolução, o olhar de Zhangke é crítico e provocador. E resulta num dos melhores filmes que vimos este ano.