FOTOS: Miguel A. Lopes |
Manoel de Oliveira celebrou 105 anos no dia 11 de Dezembro — este texto foi publicado nesse mesmo dia, no Diário de Notícias, com o título 'Amores de perdição'.
Que é, afinal, o cinema? A austera transfiguração do teatro a que assistimos em Benilde ou a Virgem Mãe (1975)? A serena intimidade com o silêncio da morte que perpassa em Viagem ao Princípio do Mundo (1997)? Ou a verdade descarnada da história tal como a encontramos exposta em O Quinto Império (2004)? Digamos que pode ser tudo isso. E que é com isso tudo que se faz a obra monumental de Manoel de Oliveira.
Quando o saudamos pelo seu 105º aniversário, celebramos essa prodigiosa variedade das linguagens cinematográficas, na certeza de que as oito décadas da sua filmografia podem ser lidas também como uma viagem didáctica pelas convulsões de uma ideia – dar a ver o movimento invisível do mundo a partir da verdade física dos seus movimentos – cuja energia persiste.
Há qualquer coisa de obsceno no facto de, chegados aqui, sabermos que o desejo de filmar de Oliveira continua a deparar com as mais diversas dificuldades de concretização. Pela dignidade do seu trabalho? Sem dúvida. Mas também porque essas dificuldades são sintoma de um problema mais geral: a esmagadora maioria dos cineastas portugueses continua a não ter condições para manter uma relação regular com a sua própria profissão.
São muitos e muito complexos os factores que geram tal drama. Lembremos apenas o mais óbvio: a secundarização do cinema como elemento das políticas culturais (fenómeno sancionado, nem que seja por demissão, por todas as cores do espectro político) não pode ser dissociada da ditadura formal e económica da cultura telenovelesca que passou a dominar o nosso espaço audiovisual. Oliveira é um símbolo modelar de resistência a tal cultura – dar-lhe os parabéns pelos seus 105 anos é também partilhar com ele o amor pelo cinema. E a perdição que isso pode envolver.