Foto: Filipe Ferreira / cedida pela Universal |
Em Caríssimas Canções canta os outros. E como reage quando os outros o cantam a si?
Interessa-me imenso isso. Uma canção é um objeto plástico que tem de ser reinventado. Até eu próprio já reinterpretei canções minhas com outros arranjos muito diferentes consoante as épocas. O Irmão do Meio é a prova provada dessas canções cantadas pelos outros.
Quando surge uma versão nova de um tema seu o que faz?
Tento ouvir... Umas vezes gosto mesmo, outras são um bocado estranhas. Mas só o facto de se ir aos repertórios é muito interessante. Agora, por exemplo, na Voz e a Guitarra II, a Márcia canta o Ás Vezes o Amor de uma maneira muito adequada.
Houve alguma versão que o surpreendesse?
Aí fui colaborador, mas posso apontar as versões dos Clã. O Espectáculo, por exemplo, nunca o tinha cantado assim e, de resto, passei também a cantar assim. Passámos a tocar essa versão mais roqueira. Essas versões dos Clã foram uma enorme surpresa para mim, e depois entrei no mesmo barco. Mas tem havido mais casos. Como o Camané a cantar o Emboscadas, que foi até uma sugestão minha.
Este disco e o espetáculo sublinham afinidades com músicos que o tem acompanhado de 1998 para cá.
O Nuno Rafael toca comigo desde o início do século, e dito assim até parece mais pomposo. Ele entretanto cruza-se no Lupa, onde se conheceram, e depois nos Humanos, com o Hélder e a Manuela. Estes dois cruzo-me eu com eles no Afinidades ainda no século passado (risos)... E entretanto fiz canções com o Hélder, como o Sopro do Coração. Neste disco dos Clã em que eles estão a trabalhar há três canções com música do Hélder e letra minha. E tudo isto cria uma dinâmica que é já de um... clã. São cumplicidades que já não se têm de explicar. São amizades, são vidas... E isso é muito bom. Gosto de conhecer pessoas novas mas também gosto de reencontra as que já não são tão novas como isso.
Além da colaboração com Bernardo Sassetti, no seu último disco levou a Minta para o seu universo.
A colaboração com o Sassetti deu uma canção mesmo especial. A Francisca Cortesão está ligada a’O Mútuo Consentimento. Eu tinha ouvido o original que ela tinha em inglês... Porque ela compõe em inglês, sabe-se lá porquê, como eu mesmo lhe digo a ela. E numa noite comecei a encontrar um caminho ali em português e ela não estava nada à espera.
Este disco entra num momento de pausa. Quando é que surge o instante em que sente que está na hora de fazer um novo disco de estúdio?
Neste momento não está nada programado, até porque nunca tive prazos nos contratos. Mas o que estou a fazer neste momento, e que teve uns hiatos por causa deste projeto, é que estou a escrever contos, que quero que saiam para o ano. Acho que esta a ficar consistente. Há um primeiro conto que foi publicado na biblioteca digital do DN, que se chama Notas Soltas da Corda e do Carrasco. Ainda estou embrenhado nisso. São contos que não são muito longos mas que são muito burilados. Não é uma coisa levezinha, sem desprimor para ninguém. O meu fito para o ano é este livro. Embora admita para o ano possa estar a pensar em canções e voltar a esse universo. Isto para mim é recorrente. Alternar naturalmente os universos. Não procuro. Mas são ímpetos e tenho a necessidade disso. O livro de poesia foi uma coisa que me ocupou a cabeça durante três meses.
O clima em que o país vive estimula a escrita?
Não. Não quero ser dominado por isso. Há reflexos disso sempre na criação. Mas não quero dominado por isso, porque acho que isso é afunilar aquilo que nós, criadores de um modo geral, temos para oferecer. Temos de construir o nosso universo e estimular as pessoas com ele. Não podemos ficar afunilados. Pode e deve falar-se disso e até se deve. Mas não é só isso... Senão acabamos nas mãos deles. Eu não gosto daquela coisa do eu e eles e nós e eles. Mas há um eles, apesar de tudo. Eles estão-nos a lixar. Agora nós somos parte do problema. E somos parte da solução? Ai somos também!
Sente que as pessoas esperam de si uma voz crítica, nem que seja para dizer o que diz depois d'Os Vampiros no disco?
Sim... Mas também sinto que tenho muita canção que já existe e está na memória ativa das pessoas. E que acaba por servir vários propósitos. O Que Força É Essa, que abre o meu primeiro LP, Os Sobreviventes, é tocada e cantada, assim como outras canções. Não é preciso estar sempre a mostrar algo de novo quando se pode jogar com todo este acervo.
E sente que algumas continuam com um sentido de atualidade?
As minhas canções têm várias vertentes e algumas são um bocado intemporais e que são mais filosóficas. Qual é a atualidade do Espalhem a Notícia? É o que cada pessoa sente num dado momento. Agora há coisas que têm consonâncias pessoais e sociais na vida das pessoas e isso é bom.
O que sente quando vê as multidões a cantar a Grândola de José Afonso em situações de protesto?
É muito interessante, embora também se esgote depois de um certo tempo. Se fosse oficializada para interromper sempre os senhores do poder perderia a sua eficácia. Mas foi bem jogado na altura e achei interessante. Sobretudo porque foi uma certa presença cívica. Assim como o Acordai do Lopes Graça. São intervenções cívicas interessantes. É agarrar no nosso património e senti-lo atual.
Algumas destas canções, que nasceram no espetáculo, continuarão a ter vida em palco?
Não pensei nisso. Mas acho que este arranjo dos Vampiros poderá perdurar. O resto não sei.