quarta-feira, outubro 16, 2013
Um duelo com o acelerador a fundo
Muitas vezes as grandes mudanças tecnológicas esbatem o que, à partida, poderia ser uma expressão mais direta do confronto entre os pilotos (e a sua capacidade técnica de afinação dos carros). Apesar do pontual domínio técnico de uma equipa (e um carro) nesta ou naquela temporada (como sucedeu por exemplo com os Mercedes em 1954 e 55), a história da Fórmula 1 recorda assim momentos como os que viu a Lotus dominar a concorrência com a aplicação do chamado “efeito” de solo em 1978 ou o aparecimento da tecnologia de suspensão electrónica que deu à Williams a supremacia em 1992 e 93. E talvez por isso, na hora de pensar um filme centrado num confronto entre pilotos, Ron Howard tenha recuado mais ainda no tempo, rumando a 1976, e a um dos mundiais de F1 mais combativos de sempre, colocando na berlinda o calculismo profissional de um Niki Lauda (que corria pela Ferrari) e a pose nada convencional e hedonista de James Hunt (que pilotava um McLaren).
Apesar de algumas liberdades narrativas – como a projeção da rivalidade entre os dois pilotos na Fórmula 3, onde Lauda nunca competiu – o filme Rush - Duelo de Rivais procura ser fiel ao curso dos acontecimentos. Recua no tempo, acompanhando as estreias de Lauda e Hunt respetivamente na BRM e Hesketh, leva-os às equipas pelas quais disputarão o título de 76 e segue o campeonato de fio a pavio, com momentos de tensão maior vividos entre duas provas sob chuva. A primeira, em Nurburgring (Alemanha), que assistiu ao aparatoso acidente de Lauda que o desfigurou. A segunda, em Fuji (Japão), na qual o austríaco decide que há riscos que não valem a pena ser corridos, abandonando a corrida e deixando a pista (e o campeonato) no horizonte do triunfo de Hunt.
Ron Howard procurou um sentido de realismo nas sequências de treinos e corridas. Usou réplicas e carros originais. Fê-los correr entre aeródromos e circuitos históricos como Brands Hatch ou Nurburgring. Filmou-os como nem as câmaras integradas nos atuais carros de F1 o fazem, permitindo-nos um olhar sobre memórias dos anos 70 como apenas no século XXI as podemos ver. Mas não esgotou o filme numa ginástica visual de acelerador a fundo. Com incríveis parecenças físicas com as figuras que retratam, as personagens de Niki Lauda e James Hunt, respetivamente vestidas pelos atores Daniel Brühl e Chris Hemswoth têm aqui um espaço para existir além do circuito. De resto, se na pista se decidem os pontos e o destino do campeonato, é fora delas que ambas as personagens dão a Rush – Duelo de Rivais uma dimensão pessoal que transcende assim o mero docudrama.
A Fórmula 1 é uma modalidade na verdade com escassa representação no cinema. A memória pode lembrar o clássico Grand Prix (1966, John Frankenheimer) e documentários como o que Polanski rodou em 1972 sobre Jackie Stewart ou, mais recentemente, o brilhante Senna, de Asif Kapadia (2010). Poderá o muito recomendável filme de Ron Howard mudar a relação do grande ecrã com um universo que, como Rush nos mostra, tem muito ainda a explorar?


