quarta-feira, outubro 16, 2013

Novas edições:
Paul McCartney, New


Este texto foi originalmente publicado na edição de 14 de outubro do DN com o título ‘O Rejuvenescimento segundo Paul McCartney’. 

Paul McCartney
"New"
Hear Music / Universal
3 / 5

Mark Ronson estava em plena lua de mel quando se lembrou que não tinha respondido ao desafio que Paul McCartney lhe havia lançado. O músico e produtor, que trabalhou já com nomes como Amy Winehouse ou os Duran Duran, estava a poucos dias do seu próprio casamento quando o ex-Beatle lhe ligara a convidá-lo para ser o DJ no seu casamento com Nancy Shevell e, como chegou a confessar à MTV, estava então com mais que pensar que numa oportunidade para tocar para McCartney e seus convidados... Mas depois de cortado o bolo, e já com dez dias vividos em lua de mel, devolveu a chamada e deu um outro “sim”. Mal imaginava então que esse DJ set, a que se juntaria um outro para o qual o mesmo Paul o chamaria pouco depois, estariam na base de um relacionamento de trabalho que agora o coloca entre os quatro produtores que assinam New, o primeiro álbum de inéditos de McCartney em sete anos.

O trabalho com um conjunto de quatro jovens produtores está na raíz de New. Além de Mark Ronson, o novo disco conta ainda com o trabalho de Ethan Jones (que tem colaborado com os Kaiser Chiefs e The Vaccines), Paul Epworth (que já produziu nomes como Adele, Azaelia Banks ou Annie) e Giles Martin. Este último, que assumiu a maior extensão do alinhamento e o papel de produtor executivo do disco, não é senão o filho de George Martin, que em 1962 levou os Beatles para a EMI e produziu todos os discos dos fab four à exceção de Let it Be. Giles tem já no seu currículo alguns episódios de relacionamento com o legado dos Beatles, seja no trabalho de produção de Love (o disco com a banda sonora do espetáculo do Cirque du Soleil com o mesmo título) ou uma colaboração no documentário de Martin Scorsese George Harrison: Living in the Material World.

New é o verdadeiro sucessor de Memory Almost Full, o álbum de estúdio de 2007 que assinalou a saída do músico do catálogo da EMI onde gravara desde os dias dos Beatles, encetando uma ligação à Hear Music, a editora ligada à rede de cafés Starbucks para a qual hoje gravam também Joni Mitchell ou John Mallencamp. Desde então o músico lançou Electric Arguments (2008), um terceiro álbum do projeto conjunto com Youth, assim como o registo ao vivo Good Evening New York City (2009), o disco “orquestral” Ocean’s Kingdom (2011), com a música de um bailado encomendado pelo New York City Ballet e o mais nostálgico álbum de versões Kisses on the Bottom (2012).

New continua acima de tudo o percurso que o músico havia trilhado em Chaos and Creation in the Backyardm, álbum de 2005 gravado com o produtor Nigel Godrich (conhecido por trabalhos com os Radiohead e Beck). Tal como nesse disco (um dos melhores da obra de McCartney), o ex-Beatle junta em New um sentido clássico na composição e a sua reconhecida alma pop/rock melodista a soluções e sonoridades que assinalam o gosto em não viver apenas do passado. Na verdade, e tal como nesse disco de 2005, a ligação a novos produtores junta ao saber veterano de McCartney o sabor de uma frescura que alarga horizontes às suas canções e lhes conferem um travo atual que não soa a coisa forçada.

Curiosamente, e apesar destes pólos de diálogo com o presente no departamento do som – sendo que no tema-título (produzido por Ronson) propõe um hino “clássico” de dimensão algo beatlesca –New assinala tematicamente alguns instantes de presença de memórias antigas que remontam até aos tempos em que vivia em Liverpool e os Beatles eram ainda sonho em construção. On My Way to Work recorda dias em que trabalhou em entregas ao domicílio e Early Days lembra memórias dos tempos em que compunha primeiras canções com John Lennon. Dias que ninguém lhe tira, como ali canta. Mas aos quais continua a juntar novas canções. E vale a pena dizer que, mesmo longe de um Ram ou um Chaos and Creation in The Backyard, New é mesmo assim um dos mais sólidos discos da sua obra gravada depois do fim dos Beatles.