domingo, outubro 27, 2013

Reggio visitou Glass (mais uma vez)


Esteado em 1982, Koyaanisqatsi seria ponto fulcral para uma série de descendências, talvez mais que aquelas que os seus criadores alguma vez tivessem imaginado. Olhar pessoal e poético sobre o mundo em que vivemos, num confronto de imagens que caminhava da placidez de uma ordem natural para o frenesi da vida urbana, o filme abriu espaço para uma forma de criar retratos pelo cinema, das suas heranças tendo nascido uma série de outros títulos, da própria trilogia que o realizador Godfrey Reggio haveria de concluir já depois da viragem do milénio (com Naqoyqatsi em 2002, longos anos após Powaqqatsi, de 1988) às experiências “a solo” de Ron Fricke, o seu diretor de fotografia que apresentaria mais tarde, em nome próprio, filmes como Baraka (1992) ou o mais recente Samsara (2011). Igualmente marcante (e central) em Koyaanisqatsi foi a presença de Philip Glass que ali assinou uma banda sonora que não só representou uma experiência determinante para aprofundar a sua relação com o cinema como definiu um espaço de expressão maior da linguagem que vinha a desenvolver com o seu ensemble desde finais dos anos 60 e que, mais que muitas outras das suas obras “electrónicas” teria profunda influência nas gerações seguintes de músicos na área do techno e periferias. Koyaanisqatsi encetou assim um relacionamento entre o realizador e o compositor, do qual não só resultariam os demais títulos da trilogia ‘qatsi’ como também Anima Mundi (1992). Estranha ausência na programação do DocLisboa, o novo filme Visitors (estreado em Toronto) assinala o reencontro entre Reggio e Glass onze anos depois de Naqoyqatsi, filme onde também colaborava o designer Jon Kane, que aqui é novamente uma presença central. Filmado a preto e branco, Visitors é feito de um conjunto de 74 planos contemplativos, nos quais ora vemos rostos humanos ora olhares sobre espaços que são, no fundo, os cenários em volta destes visitantes vivos que o povoam. Ao pensar a música de Visitors, Philip Glass procurou, por um lado, um sentido de placidez que mora nos antípodas da veloz sequência mais célebre de Koyaanisqatsi. Recorre a uma orquestra (tal como em Naqoyqatsi), mas retira o protagonismo de um instrumento solista (como ali acontecera). E retoma, numa linguagem orquestral e lírica, um relacionamento com a noção de repetição como há muito a sua música não visitava.