Nirvana
“In Utero”
Geffen / Universal
4 / 5
Kurt Cobain queria chamar ao terceiro álbum dos Nirvana "I Hate Myself and I Want to Die" [que podemos traduzir como "odeio-me e quero morrer"]. Quem o conta é Charles R. Cross, no livro Heavier Than Heaven: A Biography of Kurt Cobain, onde se explica que esta era uma resposta que, sem aparentes segundos sentidos, o músico costumava dar quando lhe perguntavam o que andava a fazer... Foi, ao que parece, por insistência de Krist Novoselic (o baixista do grupo) que o álbum não acabou com esse título, mal imaginando quão erradamente profético poderia ter representado caso Cobain tivesse levado a ideia avante, uma vez que, a 8 de abril de 1994 (sete meses depois do lançamento do álbum), o vocalista do grupo se suicidaria, em casa (em Seattle), com um tiro de caçadeira. Batizado afinal como In Utero, expressão retirada de um poema de Courtney Love, então casada com Cobain, o terceiro álbum dos Nirvana conheceu assim o seu lugar na história não pelas eventuais conotações de um título, mas pela carga de um alinhamento que fez questão de sublinhar que, apesar do sucesso global inesperadamente obtido pelo anterior Nevermind (editado em 1991), os Nirvana não eram banda de fazer jogos. Eram, antes, uma banda de fazer música.
Convém fazer aqui um pouco de história e lembrar como, depois do quase ignorado Bleach (1989), que assinalara a estreia do grupo na independente Sub Pop, a chegada dos Nirvana ao catálogo da Geffen (editora de bem maiores dimensões) não gerara contudo expectativas de vendas além de uns eventuais 50 mil discos. Mas o cartão de visita que surgiu com o single Smell Like Teen Spirit acendeu o rastilho e toda uma geração fez da canção um hino que não só transformou Nevermind num triunfo planetário com vendas milionárias, como fez mesmo com que o rock alternativo de então entrasse pelo espaço do gosto do grande público.
Originalmente pensado para uma eventual edição em finais de 1992 (a compilação Incesticide surgindo assim nesse espaço), In Utero foi um álbum desde o início pensado para não procurar ser sequela de Nevermind nem tirar partido ou vincar (por qualquer estratégia) uma lógica de continuidade. Procuravam um disco diferente. Marcaram duas semanas de estúdio em Cannon Falls (no Minnesota) e, depois de um disco com Jack Endino e de um ao lado de Butch Vig, chamaram Steve Albini para assinar a produção, procurando um som mais abrasivo.
Os resultados não foram contudo pacíficos, gerando mesmo alguns conflitos (e inclusivamente alguns equívocos nos media), acabando a banda por remisturar alguns dos temas com Scott Litt, produtor sobretudo reconhecido por trabalhos anteriores com nomes como os R.E.M. ou Patti Smith. In Utero, mesmo mais intenso (e, de facto, mais abrasivo) que Nevermind, mantém o diálogo entre o fulgor punk e o encanto pelo melodismo pop (de escola Beatles) que caracteriza uma das principais marcas de identidade musical de Kurt Cobain. É um disco de poucas tréguas, encerrando contudo o alinhamento ao som de All Apologies, que oferece um ponto de fuga, no limite, depois de um percurso tenso e corrosivo.
Lançado em setembro de 1993, o álbum não só renovou as ligações de respeito para com o grupo como confirmou que o seu caminho não seria nunca o de cedência a eventuais jogos de mercado. A estratégia promocional foi até relativamente discreta, deixando a música falar por si. A morte de Coban deixou a vida de In Utero a meio do seu período de "validade". Mas o tempo fez dele um clássico alternativo dos anos 90.
PS. Este texto foi originalmente publicado na edição de 1 de outubro do DN