terça-feira, outubro 08, 2013

Entre cinco discos históricos de Scott Walker (2)

Este texto é a segunda parte de um artigo originalmente publicado no suplemento Q. do Diário de Notícias com o título ‘Scott Walker: Cinco discos para redescobrir um mito’.

A consciência da limitação dos formatos pelos quais se expressava a música dos Walker Brothers e a progressiva formação de um gosto a seguir por caminhos diametralmente opostos – passando por Beethoven pelo jazz, o cinema de Godard ou de Bergman - acabariam por conduzir a uma (primeira) separação do trio, devolvendo Scott Walker a si mesmo. Mas o homem que editaria o seu primeiro álbum a solo em 1967 estava longe da teen star que somara êxitos com Pretty Girls Everywhere, Make It Easy On Yourself ou The Sun Ain't Gona Shine Anymore entre 1965 e 66 e, mais ainda, do rapazito que, em nome próprio, dera os primeiros passos nos anos 50. Editado em setembro de 1967, Scott mostrava desde logo na foto da capa um rosto que recusava olhar para a câmara, escondendo os olhos com uns óculos escuros. “Há ali uma privacidade a ser defendida”, descreve Rob Young no booklet da edição da nova caixa (que reúne os álbuns de 1967 a 1970), acrescentando que “coisas da infância estão assim a ser arrumadas”.

Um Scott Walker existencialista emerge naquele instante em que o rapaz se afasta e cede o palco ao homem. As vivências recentes entre concertos de música clássica, uma admiração pelas bandas sonoras assinadas por Michel Legrand e Ennio Morricone e a pop mais sofisticada que chegava de França ajudam a definir um patamar que define o terreno onde emergem as canções. Mas a maior das descobertas que o disco denuncia é a da música de Jacques Brel. O grande cantautor belga – um dos maiores de todos os tempos – tinha abandonado os palcos em 1966, mas foi num musical, com letras traduzidas para a língua inglesa por Mort Schuman, que Scott Walker contactou pela primeira vez com aquele que seria uma das mais marcantes forças na definição da sua personalidade musical. A força daquela escrita (das palavras aos temas controversos), o fulgor dos seus arranjos e pujança interpretativa de Brel arrebatam-no. Scott junta as primeiras das nove versões de Brel que Scott Walker registaria nos seus três primeiros álbuns a solo (e que mais tarde seriam reunidas na compilação Scott Walker Sings Jacques Brel, de 1981).

Scott define a emergência de um novo modo de entender a forma das canções. Diferente da grandiosidade do som dos Walker Brothers, as canções procuram novos caminhos, alargam os horizontes dos arranjos, explorando as potencialidades dos sons da orquestra. Scott é o que Rob Young descreve como um casamento “curioso, mas ocasionalmente desconfortável” de três modos distintos: versões de canções tornadas populares pelas vozes de Tony Benett, Frank Sinatra ou Petula Clark, abordagens com arranjos estilisticamente distintos e bem pessoais de temas de Jacques Brel e as canções do próprio Scott Walker. Nascido em contraciclo num verão que assistia ao florescer definitivo do psicadelismo, o disco define assim um modelo que será retomado, sob ocasionais diferenças, nos discos Scott 2 e Scott 3, a grande mudança chegando em Scott 4, o primeiro dos seus discos integralmente feito apenas de canções de sua autoria. As notas de capa da edição original de Scott o próprio músico, então com 25 anos, descrevia o álbum como a sua obsessão. Melhor palavra não poderia descrever a demanda que então enceta e que lança uma etapa única na sua obra (retomando igual busca incansável no período que se segue a Tilt).

(continua)


Hoje deixamos imagens de Jackie, mais uma versão de um tema original de Jacques Brelo. Este foi um entre as três canções do cantor belga que Scott Walker gravou em Scott 2, que editou em 1968. Estas imagens correspondem a uma atuação televisiva da época.