O cinema é usado como propaganda desde que (muito cedo) se reconheceu estar ali uma poderosíssima ferramenta de comunicação. Dos filmes que levaram a mensagem da revolução em carruagens de comboio feitas salas de cinema que correram a URSS depois de 1917 à celebração da iconografia (e do poder) nos documentários de Leni Riefenstahl, a história da propaganda no cinema é realidade bem conhecida e discutida. Mas o filme que o DocLisboa amanhã apresenta pelas 18.30 numa sessão especial no Cinema São Jorge (repete dia 3 às 17.00) traz-nos de facto algo de novo: como funciona a máquina de propaganda pelo grande ecrã na Coreia do Norte?
Com o título The Great North Korean Picture Show, o documentário de James Leong e Lynn Lee é uma produção mande in Singapura que nasceu de uma longa espera por autorizações que, uma vez chegadas, abriram janelas a uma realidade que aqui se mostra e comenta (porém sempre na companhia de guias e sob o olhar da censura, como de resto era premissa desde logo apresentada aos realizadores para que o seu trabalho pudesse acontecer).
Com legendas que vão dando conta da evolução do processo de rodagem e do contexto em que estes olhares aconteceram, o filme caminha entre a escola de cinema em Pyongyang ou os estúdios onde muitos títulos foram filmados. Acompanhamos grupos de estudantes (futuros atores) que para a câmara recitam o livro de estilo autorizado. Visitamos o museu do cinema, que, como os filmes que recorda, celebram invariavelmente o culto personalizado da figura do grande líder. Mais que apenas a moldagem de uma ideologia, a imagem da indústria do cinema na Coreia do Norte que o filme traduz expressa, precisamente, o culto do líder, que surge retratado como se outros seres pensantes ali não pudessem existir. Os autocarros a cair de ferrugem que vemos nas ruas, os décors precários onde vemos uma rodagem e os cenários decadentes e estereotipados que habitam os estúdios, juntam-se aos momentos de construção, sem margem para liberdade, de todo um ideário de gestos e palavras que professores moldam nos alunos de cinema. Resta-nos apenas poder ver que filmes ali nascem. Mas suspeitamos que, pela amostra do contexto em que nascem, não fujam muito (ou nada) ao que o grande líder gostaria de ver.Ou que fosse visto...