Um helicóptero a poucos metros do chão e uma máquina de vento. Sacos azuis cheios de folhas secas... Assim nasceu a ventania imparável que fustiga O Cavalo de Turim de fio a pavio. A câmara de Lamore, como a de Béla Tarr, não tem pressa. Observa e escuta. E só ocasionalmente questiona. Mais contemplativo que justificativo, o olhar documental é todavia claro e narrativo. Assistimos à construção de uma habitação rural de finais do século XIX com um rádio pendurado, que vai lançando no ar o som de euro pop dos anos 80 (mais distante dos climas do cinema de Béla Tarr não podia haver). Prepara-se a luz. Ensaiam-se os textos e as posições onde a câmara pode ser colocada. Mas, acima de tudo, olhamos o ambiente de rodagem, longe do tom assombrado e lúgubre que depois vemos no ecrã, numa história que nos conduz uma ideia de fim.
Ocasionalmente saímos do espaço da rodagem, devidamente assinalado a transeuntes, alertando para o facto de ali estar a nascer um filme com ação em finais do século XIX... Um trator na linha do horizonte não seria claramente bem-vindo. Chegamos à cidade onde conhecemos o compositor Mihály Vig, que assinou a música da maior parte da obra do cineasta e que nos explica como, no fundo, busca o silêncio para ali encontrar depois o seu caminho para a música. E visitamos a atriz Erika Bók, que lembra como chegou ao universo de Béla Tarr em O Tango de Satanás. Há até imagens desse filme colossal de 1994 ou de As Harmonias de Werckmeister, de 2000, mas é O Cavalo de Turim que domina o documentário.
Tarr Béla, I Used To Be a Filmaker (que hoje passa no Cinema City às 17.00 e repete dia 3 de novembro, também ali, às 21.45) espreita por um lado o que aconteceu para lá do ecrã, mas acima de tudo serve um retrato tranquilo de uma “família” criativa que se encontra pela última vez.