domingo, setembro 01, 2013

Em conversa: Mourah (2/2)


Apresentamos aqui a versão integral de uma entrevista com Mourah, a propósito do lançamento do seu novo EP Sublime (The Breakup Sessions). Esta entrevista serviu de base a um artigo publicado na edição de 29 de agosto do DN com o título ‘A música é paixão ingrata onde se dá muito e recebe-se pouco’.
Nasceu em Cascais, mas manteve sempre a Suíça como a sua casa...
Sim, juntei-me aos meus pais em Genebra quando tinha cinco anos, daí ter criado ali muitas raízes. No entanto, sinto-me português. Estão ancoradas em mim sensibilidades lusitanas, aquela mistura de saudade e de paixão, uma vontade de descoberta de novos horizontes... À superfície posso parecer suíço, com um pensamento menos emocional e mais racional talvez. Mas o meu universo mais íntimo não deixa dúvidas: vibro com Lisboa, estou no centro do universo quando passeio pelo seu jardim botânico; o Alentejo deixa-me num espaço intemporal; o Buçaco num estado de conforto interior... Vibro com a língua também, como ela soa, as palavras... “Suave” será talvez a palavra mais musical que tenhamos e é em si um poema... E os seus filhos, Pessoa, Almeida Garrett, Lobo Antunes, Sophia de Mello Breyner Andresen. São essas algumas das minhas casas.

Tem trabalhado sempre em música, apesar de só agora haver novo disco...
Sim, não parei de compor, tenho maquetes para três discos pelo menos. Deixo-os descansar uns tempos, ver se mantêm a sua pertinência através do tempo que passa. E, como já referi, também compus música para peças de teatro para a companhia Andrayas, de Genebra. E também escrevi pequenas histórias em francês , que guardo para mim. 

Como tem sido o trabalho para fazer chegar este novo disco a Portugal? Pensa dar concertos? Obter uma edição local? 
Tem sido árduo! De momento, procuro um agente para o território português que me possa ajudar a promover este trabalho nos media. Vou enviando correio para rádios, televisões... As respostas são poucas mas, passo a passo, vai surgindo mais interesse. Espero que as rádios apostem no novo single Sublime. Estou agora a trabalhar com dois excelentes músicos em Lausanne e com um amigo de Lisboa e vamos tentar organizar uma série de concertos por volta de novembro. Tenho muitas saudades do contacto com o público. Em relação a uma edição local, ainda não tenho nenhum contacto concreto. Vamos aguardar um pouco.

Os portugueses têm a noção de uma nova cultura que existe entre os luso-descendentes?
Qual é a nova cultura? Qualquer que ela é uma cultura global. A música que se ouve num bar do Porto será semelhante àquela que passa num clube de Nova Iorque. Albufeira é Londres, Lisboa é Ibiza. Berlim será Tóquio. Estou obviamente a simplificar e a forçar o traço. Mas se vivemos num mundo híper-conectado e interdependente a todos níveis, a música também o será. Daí, as origens, nacionalidades e fronteiras tenderem a desparecer. Desse modo, não tenho bem a perceção de que o povo português tenha um interesse particular perante os luso-descendentes. Era bom já que os media portugueses tivessem a noção da riqueza musical que existe “intra-muros”. Com qualidade e alguns meios, a música não conhece fronteiras... Falámos há pouco de Bjork...

Recentemente escreveu um post de algum desencanto e quase desistência em relação à música. O que faz querer desistir e o que, depois, afinal faz querer continuar?
Sim, é verdade. Como muitos músicos, há dias em que suporto mal o facto de trabalhar bastante e de não ver isso respeitado, não recebendo um salário como em qualquer outro tipo de emprego. A música é uma paixão ingrata, onde se dá muito e se recebe pouco. A vontade de desistir vem do paradoxo que existe entre o lugar primordial que a música ocupa na vida das pessoas e a forma como somos tratados. Ser profissional implica bastante tempo investido. Ora as pessoas já quase não compram música. Parecem considerar que é um bem adquirido. Somos obrigados a viver de forma menos confortável, por vezes precária, arranjar um emprego extra ao lado. Mas ao mesmo tempo pensam que por passarmos nos rádio ou aparecermos nas revistas, somos ricos. Hoje em dia para viver da música, é preciso dar muitos, mesmo muitos concertos. Mas esse argumento não retira o facto de que o trabalho em estúdio, o álbum, continua a não ser valorizado. Mas depois, sempre que toco com outros músicos, sempre que vejo pessoas emocionadas com a minha música, esqueço as frustrações e entendo que além do desejo de viver dela, é uma parte de mim, de quem eu sou, e não do que faço. E contra isso, não se pode lutar. E tenho tanto para dizer e explorar através da música ainda... Não podia mandar já a toalha ao chão.