A Gaiola Dourada é um filme gerado em França que, como diz o cartaz original, se apresenta em tom "à la portugaise". Dito de outro modo: uma comédia simples e sem complexos, em que o humor resulta de um trabalho rigoroso em que a observação social se conjuga com uma sóbria atenção aos afectos — este texto foi publicado no Diário de Notícias (31 Julho), com o título 'Elogio da comédia social'.
Não quero ofender ninguém, muito menos transferir a análise do trabalho dos actores para um plano banalmente moralista. Mas quando vemos a energia, a subtileza e o humor de Rita Blanco e Joaquim de Almeida a interpretarem o casal de emigrantes portugueses de A Gaiola Dourada, é forçoso pensar que a nossa produção cinematográfica tem arriscado pouco no domínio da mais genuína tradição da comédia social. E peço também licença para acrescentar que não quero, desse modo, atrair a velha chantagem segundo a qual precisamos de mais filmes “cómicos” e menos derivações “intelectuais”... Já basta o que basta (populismo televisivo incluído).
Acontece que não é todos os dias que deparamos com um registo cómico tão capaz de convocar os clichés em torno dos luso-franceses (a labuta diária da criada, a paixão do futebol, o bacalhau com batatas, etc., etc.) para, metodicamente, os contornar, demonstrando o essencial: para além das “imagens” feitas e, sobretudo, mal feitas, podem existir personagens vivas com histórias e emoções contagiantes.
Que seja, justamente, um luso-francês a propor tal projecto, eis a ironia que importa registar: Ruben Alves [foto], realizador e co-argumentista de A Gaiola Dourada, não se limita a acumular uma série de situações decalcadas das variações mais banais da “stand up comedy”, aplicando-se antes, com subtileza e alegria, num registo cómico que não tem vergonha de o ser.
Que seja, justamente, um luso-francês a propor tal projecto, eis a ironia que importa registar: Ruben Alves [foto], realizador e co-argumentista de A Gaiola Dourada, não se limita a acumular uma série de situações decalcadas das variações mais banais da “stand up comedy”, aplicando-se antes, com subtileza e alegria, num registo cómico que não tem vergonha de o ser.
Poupemo-nos, por isso, a essa outra chantagem que quer, à força, encontrar “modelos” obrigatórios para a abordagem dos temas portugueses. O que distingue A Gaiola Dourada é, tão só, a aliança entre o rigor no modo de filmar e o gosto por aquilo que se filma – o primeiro nasce do grau de exigência profissional; o segundo tem-se ou não se tem.