Estranha opção, esta de querer lançar uma produção portuguesa escondendo a sua origem... O próprio cartaz de RPG, de David Rebordão e Tino Navarro, reflecte esse bizarro mal-estar que, como se prova, é antes do mais de natureza figurativa. Dir-se-ia que a única força motriz que aqui podemos identificar nem é bem de natureza comercial (e seria um mérito, se o fosse); é antes de pavor iconográfico. Como se nos pedissem: acreditem apenas que os rostos expectantes e as luzes noturnas são o reflexo de um filme de ficção científica sem pátria específica, a não ser a que lhe é concedida pela utilização abstracta e desenraizada da língua inglesa — este texto foi publicado no Diário de Notícias (28 Agosto), com o título 'Ser ou não ser português'.
Seja qual for o ângulo de aproximação de um filme como RPG, somos confrontados com um sentimento de embaraço. Desde logo, inevitavelmente, por razões cinematográficas: o filme tenta inscrever-se numa matriz de ficção científica (um futuro próximo em que as personagens disputam um jogo para garantir a juventude eterna...), cedo se esgotando numa lógica dramática típica da “reality TV”. Depois, porque, mesmo considerando que a base do argumento contém potencialidades sugestivas, há um défice de recursos técnicos que transforma os resultados numa imitação confrangedora de produções que, escusado será dizê-lo, contam com meios de produção incomparavelmente superiores. Finalmente, porque, apesar de todos esses problemas, não podemos deixar de reconhecer a aposta de um produtor português, Tino Navarro, ainda e sempre crente na possibilidade de criar acontecimentos capazes de mobilizar audiências mais ou menos significativas.
Daí as perguntas que ficam. Perguntas práticas: que se pode esperar da presença de Rutger Hauer, por certo com um passado lendário (Blade Runner, etc.), mas reduzido à condição de quase figurante das cenas de abertura e fecho? E para quê integrar uma actriz com o talento de Soraia Chaves, quando a sua função é pouco mais que decorativa? Como fazer valer o espectáculo quando nenhuma personagem, “herói” ou “anti-herói”, suscita a projecção do espectador? E uma pergunta conceptual: para quê fazer o filme falado em inglês?
Esta última pode suscitar uma resposta à qual reconheço toda a legitimidade: porque não? Ainda assim, sobra uma dúvida bizarra, porventura ainda mais embaraçosa: quando um filme português gasta grande parte das suas energias a tentar recalcar a sua condição portuguesa, que visão se tem do próprio espectador?