A paisagem é desolada, mas imponente. Dos olhares sobre o mar, as falésias de xisto, as praias pedregosas, a tundra a câmara mostrando-nos não apenas as formas, mas também o sentido de solidão, de isolamento e, sobretudo, distância, que a paisagem sugere. É assim, longe, que vivem dois homens. Não sabemos há quanto tempo ali estão, mas depreendemos que, por ali, as temporadas de trabalho não se medem ao ritmo da semana em clima urbano, com horário das nove às cinco e as folgas logo a seguir. Ali trabalha-se ininterruptamente, dormindo entre tarefas. E só não é de sol a sol porque, em pleno verão ártico, o sol não se põe nunca, tocando por minutos a linha do horizonte para voltar logo depois a subir... Nesta região estão instalados alguns postos de observação meteorológica cujas observações permitem recolher dados sobre as alterações climáticas. Mas não há uma agenda ecologista no texto. Vemos apenas que o dia a dia daqueles dois homens vive de incessantes medições em estações e dados de telemetria, que enviam de tantas em tantas horas para uma estação maior, supomos que no continente... Não falam dos fins a que se destinam os valores que colhem. De resto, só os vemos a ditar números. Nem sabemos bem do quê. Pressão atmosférica? Temperatura? Albedo?... O certo é que pouco resta aos dois senão o cumprir dessa rotina, ocasionalmente com pontos de fuga nas horas vagas.
Eles são Gulybin (interpretado por Sergei Puskepalis) e Danilov (Grigory Dobrygin). O primeiro um veterano já conhecedor do espaço, do trabalho e transformado em servo de uma rotina que não ousa romper, a mais séria das suas infrações sendo ocasionais passeios de barco a uma laguna onde pesca trutas. O segundo é mais jovem, supomos que ainda estudante universitário (está ali com o fim de escrever um ensaio com o título do próprio filme), e mora nos antípodas do comportamento do primeiro. Agarra-se a um radar como se fosse um carrocel, usa brinco, ouve rock’n’roll por uns headphones que raramente esquece quando sai da estação. O que esquece, por vezes, são os cartuchos da espingarda que não deve nunca deixar no armário quando se afasta um pouco, não vá ter um encontro imediato com um urso... Que, pelo que o mais velho conta, não são coisa fofinha de peluche e já mataram um colega numa campanha anterior.
How I Ended This Summer pode refletir sobretudo sobre a mutação de comportamentos que o isolamento por vezes desencadeia. Mas o seu foco está antes na forma como, afastados dos lugares onde a população em massa vive, dois homens podem ser, cada qual, o paradigma de uma Rússia. Uma, vergada a regras e conservadora. Uma outra mais desafiante, mas que não parece ter rumo definido. Mas tudo isto sem conotações políticas face ao poder vigente. Isso daria (e dará certamente) outros filmes...
PS. Este texto é a adaptação de um post anteriormente publicado no Sound + Vision