sábado, agosto 10, 2013

John Zorn no Jazz em Agosto

Bare Room, de Joey Izzo
Para além de três magníficos concertos, John Zorn esteve no Jazz em Agosto também através do cinema; não apenas das suas bandas sonoras, mas também numa relação íntima com a gestação das formas cinematográficas — este texto foi publicado no Diário de Notícias (4 Agosto), com o título 'John Zorn no nosso Agosto'.

[ A paixão do caos ]  [ A forma e o disforme ]  [ O individual e o colectivo ]

No excelente programa da 30ª edição do Jazz em Agosto (a decorrer até ao dia 11), o nome do novaiorquino John Zorn emerge como fundamental destaque. Pela presença em três concertos, mas também porque o seu trabalho continuar a ser indissociável de uma convivência multiforme com as imagens, em particular as imagens cinematográficas. Mais do que isso: pode dizer-se que, a par de cineastas como Jean-Luc Godard ou Peter Greenaway, Zorn é um dos criadores contemporâneos que mais longe tem levado as relações música/cinema, não apenas pelas bandas sonoras que tem composto, mas sobretudo por uma lógica de trabalho em que as imagens e os sons surgem como derivações cúmplices da mesma vontade de desafiar as linguagens correntes, os seus princípios informativos e efeitos simbólicos.
O ciclo de filmes ligados a John Zorn, integrado no Jazz em Agosto (Fundação Gulbenkian: Sala Polivalente do Centro de Arte Moderna), é um exemplo precioso dessa capacidade de questionar, não apenas as imagens enquanto objectos de significação, mas também as ligações resultantes das suas diversas formas de organização e montagem. São quatro curtas-metragens nascidas de uma série de experiências (Theatre of Musical Optics) desenvolvidas por Zorn ao longo dos anos, para audiências extremamente reduzidas. Como ele explica num texto redigido para a passagem destes mesmos filmes, em 2011, no New York Film Festival, o processo, mais ou menos secreto e esotérico, deu origem a uma espécie de base de dados visual que, depois, desembocou nestes filmes dirigidos por Lewis Klahr (Well Then There Now), Joey Izzo (Bare Room), Gobolux (15 Scenes: 254 Shots) e Henry Mills (Arcana), com músicas assinadas por vários autores, incluindo Zorn.
Uma sugestão possível sobre a dinâmica interna dos filmes poderá vir da memória de um teledisco como Hallo Spaceboy (1996), de David Bowie, dirigido por David Mallet. Assim, trata-se de mobilizar as mais variadas imagens da cultura popular – desde os clássicos do cinema à publicidade – para criar um labirinto de referências em que, no limite, somos confrontados com as muitas possibilidades em aberto na relação entre o que se vê e o que se ouve, muito para além de qualquer sincronismo obrigatório.


Mesmo não esquecendo as óbvias diferenças, não estamos longe da atitude desse admirável cineasta belga que é Nicolas Provost (cuja obra tem sido divulgada entre nós pelo festival de curtas-metragens de Vila do Conde): a reconversão das relações imagem/som pode ser um método artístico e pedagógico de resistir ao determinismo que, todos os dias, domina o espaço da “comunicação” televisiva.


Apetece dizer que Zorn, compondo música ou inventando espaços para a expressão audiovisual, é alguém que nos ensina a relativizar os modos de ver e as leis da escuta. Nos dias que correm, essa é também a mais bela forma de fazer política.