É verdade: os cowboys e os índios não desapareceram do mundo do espectáculo, quer dizer, das narrativas de Hollywood. A prova, eloquente e empolgante, chama-se O Mascarilha — este texto foi publicado no Diário de Notícias (7 Agosto), com o título 'Ainda há filmes de cowboys...'.
Cowboys e índios! O velho Oeste está mesmo de volta às salas escuras. E quem regressa é um cowboy muito particular e um índio absolutamente inconfundível. Ou seja: John Reid, o justiceiro mascarado, e o índio Tonto, seu fiel e excêntrico companheiro.
O filme chama-se The Lone Ranger, precisamente o título da lendária série televisiva com os mesmos heróis (que os espectadores portugueses com mais de 50 anos terão descoberto, na sua infância ou adolescência, na RTP). Entre nós surge como O Mascarilha e o mínimo que se pode dizer é que, afinal, Hollywood continua a não desistir de revisitar as aventuras da expansão para Oeste.
O Mascarilha nasceu de uma peculiar colaboração: por um lado, os estúdios Disney, tradicionalmente associados aos desenhos animados e a um conceito de entretenimento mais ou menos juvenil, dito “familiar”; por outro lado, a companhia de Jerry Bruckheimer, ligada a muitos sucessos do chamado “cinema de acção (Top Gun, Bad Boys, Black Hawk Down, etc.). Em boa verdade, não se trata de uma relação inédita, uma vez que tal colaboração já tinha estado na base da série Piratas das Caraíbas, não surpreendendo que Gore Verbinski [foto], realizador dos três primeiros títulos da série, tinha sido escolhido para dirigir O Mascarilha.
Seja como for, na ficha artística do filme, o primeiro nome a ser conhecido foi Johnny Depp, como intérprete de Tonto. A sua participação foi divulgada já há cinco anos, em 2008, precisamente quando a Disney adquiriu os respectivos direitos de adaptação (depois de um típico processo de Hollywood em que o projecto chegou a ser pensado como uma franchise combinando uma série de animação e um video-jogo). Contracenando com Depp, na personagem do Mascarilha, surge Armie Hammer, actor que se tornou conhecido através das duas personagens (os gémeos Cameron e Tyler Winklevoss) que interpretou em A Rede Social (2010), de David Fincher.
Há uma significativa diferença de idade entre os dois protagonistas: Hammer tem 26 anos (fará 27 no dia 28 de Agosto), enquanto Depp já chegou aos 50 (celebrados a 9 de Junho). O certo é que tal diferença não contraria a química dos dois actores, até porque, um pouco à maneira das suas transfigurações nos filmes de Tim Burton, Depp compõe um Tonto quase surreal, de pinturas exuberantes, usando um pássaro morto na… cabeça.
Aliás, a estranheza da personagem de Tonto é essencial na construção de todo o filme, já que começamos por conhecê-lo como figurante de um espectáculo de feira, em 1933, recriando momentos emblemáticos da história do Oeste. Entabulando conversa com um jovem visitante (Mason Cook), Tonto é o primeiro a fazer-nos sentir a ambiguidade da aventura que se vai seguir: ninguém sabe muito bem onde acaba o realismo dos factos e começa o delírio da fábula.