As linhas do rosto são angulosas e marcadas. O olhar não esconde o cansaço. O boné sugere que seja um homem da classe trabalhadora. O nome? Skip Sharpe... A seu lado um rosto feminino. De queixo anguloso, cabelos longos, roupa de verão e olhar distante. Chama-se Nina Felix. Tal como nas personagens de uma canção, podem ter partido de memórias de figuras reais, mas nada exclui que não sejam também fruto de ficções. Estes são dois entre os rostos que agora moram numa das salas da National Potrait Gallery (em Londres), que assim acolhe a primeira exposição de pintura de Bob Dylan no espaço de um museu em solo britânico.
'Skip Sharpe' |
John Elderfield, especialista em História da Arte que desempenhou um papel determinante no processo que conduziu estes retratos à National Portrait Gallery, descreveu já que as pinturas de Bob Dylan, tal e qual as suas canções, “são produtos da sua extraordinária e inventiva imaginação”, referindo ainda que nascem da “mesma mente e do mesmo olhar” pelo “mesmo artista contador de histórias para quem mostrar e contar - o temporal, o espacial, o verbal e o visual - não são facilmente dissociáveis”. Por sua vez, Sandy Nairne, que dirige neste momento a National Portrait Gallery, diz no texto oficial do museu que Bob Dylan “é uma das figuras culturais mais influentes do nosso tempo”, lembrando que o músico “sempre criou um mundo muito visual tanto nas suas palavras e músicas, como o faz nas pinturas e pastéis”.
'Nina Felix' |
Com uma carreira na música que ultrapassa já o meio século, com 46 álbuns editados, mais de 600 canções e vendas de discos acima dos 110 milhões de unidades, Dylan não é contudo um novato no campo das artes plásticas. Sabe-se que já desenhava nos dias de infância e que pintava desde a década de 60, mas a verdade é que só começou a expor publicamente as suas obras de há cerca de seis anos a esta parte. Mesmo assim já tinha havido primeiros sinais do seu olhar como artista plástico, desde a capa do álbum de 1970 Self Potrait (com sequela recentemente editada em Another Self Portrait, recorrendo à mesma ideia na hora de pensar a ilustração para a capa) ou uma série de esboços apresentados em 1994 sob o título Drawn Blank (que, juntamente com outras séries de 2007 e 2008 seriam mais tarde expostos na Kunstsammlungen Chemnitz, na Alemanha e, mais tarde, na Halcyon Gallery, em Londres). Em 2010, o Statens Museum for Kunst, em Copenhaga (Dinamarca) expôs a sua Brazil Series. E em 2011 a Gagosian Gallery, em Nova Iorque, teve patente a Asia Series. Entre as mais recentes exposições de obras de Dylan contam-se a mostra da The Revisionist Series na Gagosian Gallery em Nova Iorque (2012) e a The New Orleans Series, inaugurada já este ano no Palazzo Reale em Milão.
'Self Portrait' |
'Another Self Portrait (1969-1971)' |
A exposição de Bob Dylan é complementada com a edição de Bob Dylan: Face Value: Character Sketches, um livro de 64 páginas com um ensaio de John Elderfield.
Dylan não é contudo caso único entre músicos de terreno pop/rock com carreira em paralelo nas artes plásticas. Nomes como os de David Bowie, Kurt Wagner (dos Lambchop), Robyn Hitchcock ou Ani DiFranco, ou, nos domínios da fotografia, Lou Reed ou Nick Rhodes (Duran Duran), são alguns exemplos de vozes que não se esgotam na música.