Basil da Cunha |
Até Ver a Luz, primeira longa-metragem de Basil da Cunha, prolonga a lógica documental, e também o desejo de ficção, das suas experiências em formato curto — este texto foi publicado no Diário de Notícias (24 Agosto), com o título 'Basil da Cunha aposta na poesia do olhar documental'.
Se é verdade que no nosso mundo global as experiências individuais envolvem muitos cruzamentos (sociais, culturais, etc.), o caso de Basil da Cunha é exemplar. Nascido em 1985 na Suíça, de ascendência portuguesa, formou-se em Genebra, na Haute École d’Art et de Design. O seu trabalho como cineasta, mesmo envolvendo ligações de produção com entidades suíças, tem mantido uma relação atenta com personagens e histórias portuguesas. Assim acontece com a sua primeira longa-metragem, Até Ver a Luz (em exibição), rodada no interior da comunidade criola do bairro da Reboleira, cuja estreia mundial ocorreu, no passado mês de Maio, em Cannes, na Quinzena dos Realizadores.
Até certo ponto, o filme possui a dimensão de um conto policial. A história acidentada de Sombra (Pedro Ferreira) é, afinal, a aventura dramática de alguém que, acabado de sair da prisão, retoma a sua actividade como “dealer”, enredando-se nas atribulações decorrentes das dívidas que tem e do dinheiro que não consegue receber... Dir-se-ia uma reportagem com componentes ficcionais.
Aliás, na sua nota de intenções, o próprio realizador aponta nesse sentido, considerando que fez um filme que “oscila entre policial e doumentário”. Para conseguir essa combinação, Basil da Cunha sublinha a importância do tipo de disponibilidade que encontrou no próprio bairro: “Escrevi e filmei Até Ver a Luz em estreita colaboração com os moradores do bairro. É um filme sobre essas pessoas, construído com essas pessoas, e tenta ser uma espécie de reinterpretação da vida delas. As pessoas transformam-se em personagens, a ficção permite sublimar o real, por mais duro ou absurdo que seja.”
Nesta perspectiva, pode dizer-se que Até Ver a Luz prolonga a lógica de trabalho das curtas-metragens de Basil da Cunha, nomeadamente À Côté (2009), sobre um trabalhador dos caminhos de ferro, e Os Vivos Também Choram (2012), centrado num operário do porto de Lisboa. Trata-se sempre de construir uma relação muito directa com os lugares e as personagens, recorrendo a actores não profissionais, ao mesmo tempo que se procura uma dimensão alternativa que o próprio realizador gosta de descrever como poética: “A minha ambição é ultrapassar um certo cinema social unidimensional e condescendente. Trata-se, assim, de misturar à realidade com a qual trabalho uma linguagem cinematográfica que dá espaço a universos poéticos, a relações autênticas ou de ternura entre personagens.”