É decerto fruto de uma coincidência, mas neste momento estão em exibição nas salas portuguesas três filmes que nos dão perspetivas menos habituais sobre a II Guerra Mundial. São eles Lore, da realizadora australiana Cate Shortland (que acompanha a deambulação de cinco irmãos por uma Alemanha derrotada), Imperador, do britânico Peter Webber (que levanta, no cenário de um Japão derrotado, uma investigação sobre o eventual papel do imperador Hirohito em crimes de guerra) e, agora, No Nevoeiro, do bielorrusso Sergei Loznitsza. A guerra está presente em todos, mas fora de campo. Ou porque a câmara está longe das frentes de batalha ou o tempo da ação já deixou os combates, embora estes ainda ressoem por perto.
Ao contrário de Lore e Imperador, que nos colocam entre as duas potências do eixo derrotadas em 1945, No Nevoeiro decorre num tempo em que o avanço das forças alemãs ainda fazia pensar num desfecho diferente para o conflito.
Sergei Loznitsa leva-nos a território bielorrusso, em 1942. No quadro da chamada Operação Barbarossa (por outras palavras, a invasão da URSS pelas forças alemãs), lançada em junho de 1941, a Bielorússia foi uma das repúblicas soviéticas a ficar sob ocupação nazi. Os primeiros movimentos de resistência surgiram pouco depois (revelando-se com o tempo mais resilientes e combativos do que o inicialmente esperado). E é precisamente em inícios de 1942 que a resistência aumenta as suas ações e diversifica os seus alvos.
Mais que o relato de um caso factual, No Nevoeiro é a adaptação ao cinema do conto homónimo de Vasil’ Bykaw (1924-2003), escritor bielorrusso que tinha 17 anos por alturas da invasão e que se alistou no exército vermelho, mais tarde projetando essa vivência dos dias de guerra em muitos textos de ficção sobre a época.
Aqui acompanhamos a história de Sushenya (Vladimir Svirski), que trabalha na manutenção de linhas de caminho de ferro e que não consegue dissuadir os três colegas de um ato de sabotagem. São apanhados, os outros três enforcados mas ele liberto, apesar de recusar assinar um acordo de colaboração com os alemães. Sushenya sabe que não traiu os seus, mas esse é o fardo que agora carrega. E que lhe vale a visita, numa noite, de dois elementos da resistência que chegam para o executar... Para não o matarem em casa (e um dos resistentes que o visita é um amigo seu de longa data), afastam-se. E as vicissitudes do percurso acabarão por espelhar o carácter dos homens que vagueiam pelo bosque, os flashbacks que nos permitem ver cenas do passado de cada um acabando por servir de tutano ao conto moral que assim ganha forma. No final acabamos a pensar se a guerra mudará mesmo as pessoas, ou se em cada uma não estará já a personalidade que os conflitos depois eventualmente amplificam...
Com carreira mais extensa no cinema documental do que na ficção (em O Cerco de Leninegrado tendo criado um dos mais pungentes filmes recentes sobre a II Guerra Mundial), Loznitsa filma No Nevoeiro segundo aquele ritmo suave, mas assombrado, de quem caminha entre os bosques com o medo por companhia. Sushenya é o pilar de um conto moral que nos permite uma reflexão diferente sobre quem faz a guerra. Num tempo de terror, de traições e oportunismos, a honra parece coisa alienígena. Mas No Nevoeiro deixa claro que, mesmo perante a loucura da guerra, nem todos perdem o norte.