sábado, julho 27, 2013

Mick Jagger: como num filme

No dia 26 de Julho, Mick Jagger celebrou 70 anos de vida. Parece um filme — este texto foi publicado no Diário de Notícias (26 Julho), com o título 'Um filme em tons de cinzento'.

Em 1993, Mick Jagger lançou Wandering Spirit, o seu terceiro álbum a solo. É uma pequena obra-prima de introspecção, feita sob o signo de um rock’n’roll de obstinada fidelidade às suas pulsões mais primitivas. A capa (assinada por Annie Leibovitz) resume toda uma visão artística, sob o signo de um perverso e angustiado narcisismo: Jagger faz pose, tronco nu, sentado numa cama, enquanto do outro lado, de costas, também tronco nu, a figura que partilha a sua solidão é... o próprio Jagger. E não deixa de ser desconcertante que uma figura célebre, tão associada à agitação das luzes do espectáculo e das passadeiras vermelhas, cante um tema de tão irónico romantismo como Evening Gown: “Dizem que sou um solitário / Gosto de me perder nas multidões”. À espera de quê? “(...) À espera que o teu cabelo louro / Fique grisalho”.


Jagger é um entertainer que tem essa capacidade de nos sugerir que tudo aquilo que canta, a solo ou com os Stones, decorre de uma história pessoal tão confessada quanto ficcionada. Há nele uma dimensão de “clown” que o liberta de qualquer prisão emocional, ironizando os próprios dramas que nos expõe – como se a sua pose de palco resultasse da magia paradoxal da dor de uma Judy Garland transfigurada pela teatralidade de Elvis Presley.
Que, agora, ele celebre 70 anos, eis um simples detalhe. As memórias acumuladas são típicas de um dinossauro do rock, sendo o rock, mais do que um estilo musical, uma postura existencial. Não por acaso, Jagger é um cinéfilo, como o prova o emblemático tema que é Hang On to Me Tonight (ainda de Wandering Spirit): “Como num filme, devastaste a minha vida / Como num filme, as estrelas desaparecem / Todas as personagens declamam as suas falas / E as cenas de amor são filmadas em tons de cinzento.”