Como revisitar as memórias da Segunda Guerra Mundial a partir deste nosso séc. XXI? A respostas de Sergei Loznitsa é das mais interessantes — este texto foi publicado no Diário de Notícias (16 Julho), com o título 'Os dias mais longos'.
Durante décadas, para a maior parte dos espectadores, O Dia Mais Longo (1962) condensou as regras da mais popular matriz dos filmes sobre a Segunda Guerra Mundial. Com três linhas temáticas dominantes: a ocupação da França pelas tropas alemãs; a resistência; enfim, o desembarque das tropas aliadas na Normandia. Pode dizer-se que, com O Resgate do Soldado Ryan (1998), Steven Spielberg encerrou simbolicamente o género.
Filmes mais recentes, como o notável No Nevoeiro, de Sergei Loznitsa, nascem da preocupação, não apenas de dar a ver outras frentes de batalha, mas também de explorar diferentes registos dramáticos. O trabalho de Loznitsa é tanto mais surpreendente quanto explora duas componentes muito específicas: primeiro, um peculiar contexto de resistência ao avanço nazi (na Bielorrússia) em que o sacrifício da comunidade se exprime através das singularidades dos destinos individuais e da sua perturbante teia de gestos de coragem ou traição; depois, um sentido do tempo em que os dias, precisamente, se medem por uma duração não linear, interior e angustiada.
Um dos efeitos principais desta lógica de encenação é a revalorização dos cenários naturais. Ou melhor, a impossibilidade de qualquer naturalismo: a natureza não se apresenta como mero “receptáculo” da acção, funcionando antes como um factor que tem tanto de biológico como de cultural. Afinal de contas, a guerra é esse acontecimento extremo que impõe uma nova visão do território, quer dizer, um diferente entendimento das possibilidades e limites da vontade humana.