sexta-feira, maio 03, 2013

Os filmes do Timishort 2013 (1)

Onde estamos? Com quem estamos? Em que tempo estamos? O que se passou para ali chegarmos? Mais ainda que no arrebatador A Estrada de Cormac McCarthy (o livro, naturalmente, que a adaptação cinema foi risível coisa menor), onde pelo menos sabíamos que tínhamos um pai, um filho, uma estrada e medo, em Pude Ver Un Puma nenhuma destas questões terá nunca resposta. Assim como não ficará nunca muito claro o que se passa (se bem que, depois de visto o filme várias vezes, acabei por nele encontrar o meu lugar e uma possível leitura, levando a bom porto um processo de reflexão sobre a obra que, afinal, acontece apenas com a melhor arte).

Pude Ver Un Puma, que passou há um ano em Cannes, foi há menos de uma semana o grande vencedor do Timishort 2013, festival de curtas metragens na cidade de Timisoara, na Roménia. Curta-metragem assinada pelo argentino Eduardo Williams – presentemente a frequentar a mui recomendável escola francesa Le Fresnoy e que em breve apresentará no filme em Cannes, desta vez na Quinzena dos Realizadores – é não só a melhor curta que vi nos últimos tempos como, certamente, um dos mais certos candidatos a morar na lista dos melhores filmes que verei ao longo do presente ano.

As primeiras imagens, num espantoso plano sequência (que nos apresenta magnificamente o espaço e quem o habita), colocam-nos entre telhados de uma qualquer zona degradada. Despreocupado, um grupo de rapazes fala. Fala de programas de divulgação científica que em tempos viram na televisão (um deles refere as visões de um mundo futuro, quando o homem já não existir e a natureza tiver voltado a vencer o planeta). Mais adiante um outro falará de tatuagens. De extensões enormes de tempo. De um outro documentário científico. Palavras aparentemente sem rumo, mas que na verdade são como os espaços desolados onde deambulam: fragmentos de um tempo que desmoronou sobre eles (e, no fundo, nós mesmos).

Caminham entre as ruínas (que na sessão em Timisoara o realizador explicou serem os “restos” de um antigo complexo turístico de luxo na Argentina). Como num sonho, onde os espaços mudam sem que ninguém o explique, dos telhados passam para o que restam de ruas, chegam a uma área alagada, terminam na floresta. Como que se aproximassem, a cada passo, da tal vitória da natureza sobre o homem.


Já houve quem apontasse familiaridade possível com as deambulações dos dois ‘Gerrys’ de Gus Van Sant. Em Timisoara alguém do público apontou afinidades (contudo não intencionadas pelo realizador) com um conto de Kafka. Lembrei-me das “zonas” criadas pela dupla Arkady e Boris Strugatsky em Roadside Picnic (entre nós editado pela Caminho como Slatker) e que Tarkovsky filmou em Stalker. No fim, a capacidade de cada encontrar aqui ecos das suas vivências e experiências, reforça capacidade do belíssimo filme de Eduardo Williams em, mais que nos conduzir a um caminho fechado, nos convidar antes a “cair” (literalmente) com aquilo que temos (e faz de cada um de nós quem somos) no limiar de um abismo que sentimos morar perto daqueles lugares que as imagens nos mostram.

Aparentemente fragmentário, mas na realidade sugerindo um rumo concreto e uma evolução de passos entre espaços que nos levam da cidade e das suas ruínas a uma natureza, onde literalmente acabamos por cair (o solo reclamando-nos) Pude ver un Puma é uma experiência cinematográfica maior. Perturbante, mas ao mesmo sedutor, convida-nos a que nos percamos naquele tempo e naquele lugar. E nós rendemo-nos, mesmo que ninguém nos explique com quem vamos nem para onde nos dirigimos.



Imagens do trailer de Pude Ver Un Puma