domingo, maio 26, 2013
Entre memórias...
Obras recentes (em primeiras gravações) do russo Victor Kissine, em interpretações de Gidon Kremer, dos músicos da Kremerata Baltica e do percussionista Andrei Puskharev. Acreditem que está aqui um dos grandes discos de música “clássica” deste ano.
O catálogo da ECM tem acolhido alguns dos mais interessantes (ou pelo menos os mais interessantes dos que conhecemos) entre compositores nascidos ou criados nos espaços da antiga URSS. Basta citar nomes como os de Arvo Pärt (nascido na Estónia), Valentin Silvestrov (na Ucrânia) ou Giya Kanchelli (Geórgia) para termos rápida expressão de um quadro de figuras absolutamente marcantes no panorama atual da composição musical. A estes nomes podemos juntar mais um. Tal como Pärt (que desde 1980 encontrou casa em Berlim), também o russo Victor Kissine (n. 1953) há muito deixou a cidade e o país onde nasceu, residindo com a família na Bélgica. Porém é das memórias que guarda da São Petesburgo (outrora Leninegrado) onde nasceu e cresceu que brotou parte da inspiração que junta as obras que a ECM agora edita sob o título comum Between Two Waves.
Explica o próprio compositor – que é presentemente também professor de análise e orquestração no conservatório de Mons – que as memórias dos espelhos que recorda nos canais gelados das águas do rio Neva e das próprias águas do mar nos Invernos da sua infância são talvez a matéria que cruza as três peças que este disco agora junta. Peças que liga ainda a referencias à música de Bach ou Schubert e, naturalmente, a Gidon Kremer (e à sua Kremerata Baltica), com quem as três obras foram registadas, ao vivo, no Lockenhaus Festival, em 2011, como se um ciclo então sugerissem.
Feita de delicadas presenças, sugerindo névoas e acontecimentos subtis sobretudo para piano (apenas na peça que dá título ao disco) e cordas, claramente em tons invernais, mas arrebatadoramente sedutora, a música de Kissine que escutamos entre Between Two Waves (composta entre 2006 e 2008), Duo (de 1998 a 2011) e Barcarola (esta última, de 2007, com Kremer como solista) traduz aquele raro sentido de espaço que pode ser expressão natural de um olhar sobre uma paisagem vasta, mas também um sentido de lenta melancolia que parece ser comum a muita da música (e cinema) que nos chegam da parte de quem partilha genéticas com o grande espaço da cultura russa.
Victor Kissine explica ainda no texto que lemos no booklet que há ligações fortes entre a música que aqui escutamos e a literatura, citando em concreto nomes como os de T.S. Eliott ou Osip Mandelstam (Duo nasce em concreto de um poema seu, de 1910). Cerrando os olhos, esta é uma música que envolve e desperta imagens. Dominadas por tons brancos, sob aquela luz clara (mas fria) do Sol de Inverno. Mas que, longe de arrefecer, nos envolve e conquista. Já houve outras gravações em disco de obras de Kissine. Até mesmo em discos da ECM. Mas em Between Two Waves pode estar finalmente o cartão de visita para uma descoberta em mais vasta escala que a sua música claramente merece.