segunda-feira, maio 06, 2013

Cuca Roseta e a raiz do fado (2/2)

Cuca Roseta tem um novo álbum, de seu nome Raiz: pretexto para uma conversa com uma fadista que não abdica da dimensão de verdade que o fado pode conter — este diálogo serviu de base a um artigo publicado no Diário de Notícias (29 Abril), com o título 'É preciso não ter medo de seguir o instinto'.

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A experiência de palco, depois do primeiro álbum, teve alguns efeitos na concepção deste disco?
É um facto que o Nos Teus Braços era quase sempre o mais aplaudido. E isso surpreendia-me, porque me parece um fado muito simples. Agora, senti necessidade de alargar os meus próprios conhecimentos de música e estou há oito meses a aprender piano... No próximo disco, já vou saber dizer exactamente quais são as notas [risos]. Por isso estou ansiosa de cantar estes novos temas ao vivo: o efeito de Nos Teus Braços não era porque fosse especial; era apenas porque eu me sentia na minha pele. A letra não era, obviamente, tão boa como as de Florbela Espanca ou Vinicius de Moraes, mas era como se me sentisse em casa.

Será que Florbela pode simbolizar um certo sentimento de destino que tem muito a ver, precisamente, com o fado?
É a minha poetisa preferida. Nunca escreverei como ela, mas foi difícil escolher um poema dela para este álbum. No fundo, a letra escolhida (Vaidade) tem a ver com o facto de eu ousar fazer letras e músicas. Cada vez que a digo, começo a chorar: “Sonho que sou a poetisa eleita / Aquela que diz tudo e tudo sabe...”

Foi, por certo, muito diferente da experiência do primeiro álbum, com Gustavo Santaolalla como produtor.
Tenho de reconhecer que, na altura, não tinha a noção do que é gravar um disco. Tive a sorte de poder entregar tudo nas mãos de uma pessoa de tão grande talento. Agora sei como é difícil, a persistência que é preciso. Cheguei a acordar de noite para tomar notas de algumas letras que acabaram por ficar... As ideias podem surgir em qualquer lado, a pessoa está sempre ligada. Além do mais, fizemos o disco todos a gravar ao mesmo tempo. Hoje em dia, por vezes, vai o viola gravar, depois vai o guitarra... E no fado isso, para mim, não é possível – pode resultar bonito, mas fica plástico.

Como foi, e onde foi, a gravação?
Foi de Janeiro a Abril. Gravámos três dias seguidos no Porto e depois, em Oeiras, tivemos mais seis ou sete sessões. É preciso cantar muito os fados para conseguir deixar de pensar e apenas sentir.

Que significa esse “deixar de pensar”?
Depende do que quer dizer “pensar”, não é? [risos] Como fiz tudo, dava comigo a interromper e a dizer que havia uma nota errada... Quando a música ainda não está dentro dos músicos, isso quer dizer que também ainda não está dentro de mim. E há um momento em que é preciso parar de pensar em tudo isso para, realmente, sentir. Por exemplo, acabo sempre com um fado católico: Ave Maria Fadista, no primeiro, e agora Fado da Vida, sobre a morte de Cristo, com letra de José Avillez.

Porquê essa escolha de acabar com um fado católico?
É o meu momento de prece. Houve um trabalho, uma entrega e esse momento de prece é também um agradecimento.

À divindade?
Sim, porque acredito que temos dons e não os temos em vão. Aplicamo-los na procura de uma perfeição que tem a ver com uma verdade que queremos também partilhar com os outros.

Posso pedir-lhe que refira uma ou duas vozes, não do fado, portuguesas ou não, de que goste.
Vou dizer-lhe quatro: Nat King Cole, Edith Piaf, Chavela Vargas e Frank Sinatra.