O relançamento de Taxi Driver (1976), de Martin Scorsese, é um grande acontecimento comercial e simbólico, numa palavra, cultural: recupera-se um título fulcral do cinema americano da década de 70 e criam-se condições para uma ou mais gerações de espectadores o poderem descobrir numa sala escura — este texto foi publicado no Diário de Notícias (3 Abril), com o título 'As novas narrativas urbanas'.
Há vários anos (desde que a generalização de video e DVD começou a afectar a frequência das salas), alguma crítica de cinema vem mostrando o seu cepticismo face à emergência de um novo tipo de espectador que acabou por confundir a história do cinema com os downloads que pode fazer. A legalidade desses downloads tornou-se um tema dramático, mas não pode ser dissociado de um outro, ainda mais fundo: é a própria percepção do fenómeno cinematográfico que está em causa e, muito em particular, a vitalidade das suas memórias.
Há uma maneira mais contundente de dizer tudo isto: é fundamental reconquistar para as salas escuras os espectadores, sobretudo os mais jovens, que não foram ensinados a apreciar o impacto de um grande ecrã (incluindo a envolvência do som), nem a valorizar o cinema como evento específico de partilha social. Felizmente para nós, espectadores portugueses, vários agentes do mercado têm dado provas de querer lidar com a complexidade desta conjuntura. Como? Revalorizando alguns filmes “antigos” através da sua reposição em sala: o regresso de Taxi Driver, agora numa esplendorosa cópia digital, é um momento emblemático de tal processo.
Estava-se em 1976 e Martin Scorsese fazia um filme que, através de um admirável argumento assinado por Paul Schrader, abria o capítulo das novas narrativas urbanas: a grande cidade está ferida por dentro e já não consegue sustentar uma ideia redentora de civilização; ao mesmo tempo, heróis como Travis Bickle (De Niro, genial) partilham connosco essa angústia imensa de sabermos que a própria verdade humana pode estar a ser posta em causa. De facto, nas últimas décadas, o negrume desta fábula foi imitado infinitas vezes. O certo é que Taxi Driver continua a ser melhor que todas as cópias.