Com o filme Não, o chileno Pablo Larraín conclui uma magnífica trilogia sobre os tempos e as personagens da ditadura de Augusto Pinochet — este texto foi publicado no Diário de Notícias (24 Abril), com o título 'A política está sempre nas imagens'.
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Não é fácil aceitarmos o dispositivo técnico do filme Não, de Pablo Larraín. Recuperando o sistema das câmaras de vídeo (U-matic) usadas na época em que decorre a acção (1988), Larraín propõe-nos uma imagem “suja” e datada, como se assistíssemos a uma reportagem sobre um jovem publicitário (Gael García Bernal) que trabalha para os que defendem o “não” à ditadura de Pinochet. Há uma razão, técnica precisamente, para tal escolha: deste modo, as imagens verídicas da televisão apresentam-se, não como corpos estranhos, mas como algo que participa do visual de todo o filme.
Seja como for, a pouco e pouco, vamos integrando o efeito mais radical da opção de Larraín: o que ele filma é, justamente, uma conjuntura em que tudo é imagem. Em vez de aceitar o clássico imaginário de esquerda que reduz o enunciado de qualquer luta política a um confronto de palavras de ordem, Não mostra-nos como a luta pela “boa imagem” se tornou inerente a muitas formas de intervenção social.
Assim, Larraín consegue algo de admirável, pouco cómodo para qualquer visão panfletária ou moralista do jogo político. Por um lado, o filme expõe o lado insidioso de um regime ditatorial que, para além da força das armas, instala no quotidiano um misto de cinismo e medo que tende a desqualificar o factor humano; por outro lado, tal visão não favorece a criação de figuras obrigatoriamente “heróicas”, mais ou menos devedoras da herança da iconografia leninista.
No limite, esta é uma crónica, não sobre o poder político das mensagens publicitárias, antes sobre aquilo que no exercício da política se tende a confundir com as leis da publicidade. Resultado: um desencantado realismo que se recomenda, em especial, a políticos e publicitários que julgam habitar mundos separados.