sábado, abril 13, 2013

Conversas de arquivo:
Depeche Mode, 2005 (3)

Em tempo de lançamento de um novo álbum dos Depeche Mode estamos a recordar aqui uma entrevista que fiz a Dave Gahan, o vocalista do grupo, por alturas do lançamento de Playing The Angel, em 2005. A conversa decorreu num hotel em Paris, perto da Place Vendôme. A entrevista foi publicada na edição de 14 de outubro de 2005 do DN sob o título ‘Depois da fé, a devoção’.

Como conseguiram sobreviver tantos anos como banda?
Essa é sempre uma boa questão para tudo na vida. Sempre tive uma vontade de conquistar mais de mim mesmo. Salvo num certo momento na minha vida que já passou, é verdade. Tenho sido descrito como um sobredotado, o que é de certa maneira estranho para mim, mas gosto de trabalhar. E trabalho muito, por vezes tendo mesmo de ser obrigado a meter o travão. O que gosto mais na vida é o facto de podermos esperar e ser pacientes, mas a verdade é que também termos de saber agir para continuar a andar. A vida não nos chega pelo correio. Temos de sair à rua para a apanhar?

A que acções se refere quando diz que é preciso agir para poder andar? Acções que parecem estar a falar da vida dos Depeche Mode nos anos 90...
O Violator foi o disco onde ostensivamente desafiámos perante nós próprios a ideia do que eram os Depeche Mode. Mudámos toda a equipa de produção, a maneira como trabalhávamos em estúdio. Abrimos a ideia dos Depeche Mode a um som mais feito de raízes, musicalmente falando em específico de blues e gospel, misturando-os com electrónicas. Creio que isso parece estar a acontecer novamente para a minha grande surpresa. Parece haver novamente esse tipo de vigor no seio da banda. Vigor para nos desafiarmos a nós mesmos. E muito se deve ao que de inspirador teve para nós o Ben Hillier [produtor do álbum]. Agarrou o touro pelos cornos e sem medo. Em estúdio encheu-nos de ideias, e nós precisávamos disso.

Ao fazer um álbum 25 anos depois de editada a primeira gravação, olharam para trás em busca de pontos de referência? 
Não escuto a nossa música. Só muito raramente escuto algo que tenhamos feito no passado. Só quando actuamos é que tenho mais a noção concreta do que fizemos antes. É importante, como artista, deixar o passado onde está. Está feito. Podemos tirar lições, aprender com a experiência. Mas temos de saber onde estamos hoje.

Sem manifestações de nostalgia, portanto?
Sim, e muitas vezes há muitas outras coisas a acontecer baseadas apenas nisso. Muitas vezes sentamo-nos os três e o Fletch [Andrew Fletcher] fala muito do passado da banda, do sucesso? Que fizemos isto e aquilo? E acabo sempre a dizer-lhe que isso foi antes, e agora é agora. Quando estávamos em estúdio ele dizia que precisávamos de ter um Enjoy The Silence, um Personal Jesus? E eu respondia que isto era o que tínhamos? Haverá mais discos, mais desafios.

O que pensa de outros seus contemporâneos que se reúnem para digressões sobretudo baseadas em nostalgia?
Não me incomoda. Têm todo o direito de o fazer. E não faz mal nenhum, desde que saibam o que estão a fazer. E se estejam a divertir, até? Reconheço que fez sentido numa banda, que verifique que ninguém se interesse pelo que está a fazer de novo, que toque as coisas antigas. É o que os fãs querem ouvir muitas vezes. Compreendo-o completamente. Mas não é uma coisa que me apeteça fazer a mim ou ao Martin. Temos de sentir que estamos a fazer coisas que sejam relevantes no presente.

Mas sente-se confortável com o passado dos Depeche Mode? Canta ainda temas como Just Can't Get Enough em concertos?
Sim, sinto-me confortável. Mas conversámos já sobre como reinventar algumas, tirar-lhes o pó. Vamos provavelmente fazer novamente o Photographic, o Everything Counts. É interessante fazer essas revisões quando se toca ao vivo. Quando se está em estúdio deve-se ter a mente projectada noutro sentido, ou seja, mais focados no momento e no que estamos a fazer de novo, não tendo necessariamente de tirar referências do que musicalmente está a acontecer no presente, mas tirando sem dúvidas referências do que está a acontecer no mundo e nas nossas vidas pessoais. Musicalmente não penso que estejamos particularmente inspirados por um qualquer género particular.

Todavia este disco é claramente mais centrado nas electrónicas que os anteriores, e até mesmo que as versões de temas antigos de Depeche Mode na sua digressão a solo, onde vincou a presença das guitarras? 
Sim, é verdade. É uma ideia que funciona connosco, e que reflecte também o que são as nossas próprias limitações. Para o Paper Monsters pude trabalhar com pessoas que vinham de outros lugares musicais e isso até foi bastante inspirador. Sinto-me bem por não me ter de obrigar necessariamente a um só caminho. O Ben Hillier gostava de nos ver a usar sintetizadores analógicos, mas também baterias reais, pianos, e a utilização do espaço e do som do próprio estúdio.