Justin Timberlake
“The 20/20 Experience”
RCA / Sony Music
5 / 5
O preconceito com que o ‘establishment’ crítico olha habitualmente os espaços da música pop mainstream (e que em grande parte se justifica até pelas doses de lixo oportunista que por ali vão brotando) por vezes parece aqueles tampões que temos de colocar nos ouvidos em dia de Grande Prémio de Fórmula 1 (se estamos na pista, claro e não em casa, onde se baixa o som do televisior). Justin Timberlake nasceu numa ‘boy band’ (e atenção que não é pecado!) e desde que se afastou dos N’Sync tem procurado construir uma carreira que conheceu o seu primeiro instante notável nesse monumento pop chamado Futuresex/Lovesounds (2006) que o transformou numa estrela planetária com um estatuto de nova solidez em nome próprio que apenas George Michael conheceu após os Wham! (que, sublinte-se, não eram uma boy band, mesmo sendo então uma teen band). A exposição intensa, global e exaustiva sugeria, segundo o “livro” do bom negócio, que se fizesse uma sequela, certo sendo que teria tudo para manter a máquina a rodar... Mas Justin Timberlake optou por fazer silêncio, concentrando o esforço numa carreira em paralelo no cinema e aceitando pelo caminho apenas algumas colaborações pontuais, trabalhando aqui e ali com nomes como os Duran Duran, Madonna, Rihanna ou o seu parceiro mais regular, Timbaland. Sete anos depois eis que regressa. E na bagagem traz tudo menos o que poderia ser o sucessor desse disco de 2006. E convenhamos que, mais que nunca, nos surpreende (mas é preciso darmos tempos e ouvidos ao disco, que está longe de ser coisa imediata)... Novamente com Timbaland como “voz” maior de uma equipa em estúdio (naquele que representa até o primeiro trabalho consequente de um produtor que chegou a estar excessivamente presente no mapa da pop aqui há uns cinco anos), The 20/20 Experience pode não servir docinhos para rádio prontos-a-gostar como o foram Sexyback ou o minimalista My Love, mas propõe antes uma ideia que se expande no decurso do corpo maior que é um álbum, mesmo não procurando aqui edificar alguma qualquer ideia de ‘conceito’. Resistir à formatação é assim a primeira ousadia de um disco que procura antes a construção de canções que são mais que uma soma de verso, refrão e melodia, aceitando o prazer de caminhar para lá dessa arquitetura formal, ensaiando variações, caminhos paralelos, desvios, um pouco como tantas vemos escutamos em concertos de Prince. E esta é uma das figuras que, mesmo raramente apontadas entre as que habitam a possível lista de influências deste disco, acaba por ser importante modelo a considerar, da versatilidade que conhecemos na sua obra podendo nós encontrar eventuais termos de comparação com o vasto universo de acontecimentos que Timberlake cruza em tão ambicioso (mas bem concretizado) projeto. Estão aqui, talvez mais evidentes, as heranças de um Al Geen, Marvin Gaye, de caminhos do R&B dos noventas e, sobretudo, de Michael Jackson. Mas num Timberlake a viver um momento de clara solidez interpretativa, The 20/20 Experience acaba, mais que uma soma de referencias, por definir uma voz maior e claramente pessoal. Se é verdade que não há aqui o single talhado ao gosto das playlists (o que implica questões de forma e duração da canção), a verdade é que não faltam a este álbum grandes canções. Mirrors é uma construção mid tempo de grandiosidade épica que figurará na lista das melhores do ano. Strawberry Bubblegum e Pusher Lover Girl são pequenos mundos de detalhe e acontecimentos que traduzem uma escrita musical (e uma produção) capaz de sustentar tanta ginástica e acontecimentos... Blue Ocean Floor e Dream On são baladas que sublinham, por sua vez, como se pode fugir à banalidade do registo simplório que tantas vezes escutamos em tantos discos no campeonato pop mainstream. E depois há aquele sublime Suit & Tie, digno herdeiro de anos de uma tradição R&B que tantas vezes soube inspirar a pop (recorde-se aqui a história da Motown) que dá a Timberlake outro episódio maior na sua discografia no formato de single. Falta agora a Justin Timberlake focar atenções na escrita de letras (e pode fazê-lo reparando como, nos seus discos, Marvin Gaye, Stevie Wonder ou Prince definiram aí os seus caminhos). Mas a verdade é que nos dá em The 20/20 Experience não só o seu melhor disco, como o álbum mais bem elaborado e interpretado nascido em terreno pop mainstream nos últimos tempos. Mas, e como dizia George Michael no título de um álbum seu, para escutar The 20/20 Experience é preciso “ouvir sem preconceito”...