Fotos: Victoria & Albert Museum |
Inaugurou este domingo em Londres a
exposição ‘David Bowie Is’, uma mostra ampla, completa e rigorosa sobre o
músico, a sua obra, as influências, o processo criativo e o seu impacte na
sociedade. Este texto, que resultou de uma visita pessoal à exposição, foi
publicado na edição de 23 de março do DN com o título ‘Afinal Quem É David
Bowie?’.
David Bowie é uma imagem do futuro... David Bowie usa muitas
máscaras... David Bowie aproveita o que o momento lhe oferece... David Bowie é
outra pessoa... É com frases como esta, que tentam completar a frase que nos
acolhe à entrada, onde se lê “David Bowie is” que a
magnífica e grandiosa exposição que hoje abre as portas no Victoria &
Albert Museum acompanha o percurso artístico de uma das figuras mais marcantes,
influentes, transversais e globalmente reconhecidas da história da cultura
popular. Podemos mesmo dizer da cultura (e ponto final).
‘Bowie Is’ propõe um retrato do artista, das suas
influências, das épocas que atravessou, da obra que tem vindo a construir entra
a música e as imagens, assim como o seu impacto nas mais
diversas esferas da arte e na sociedade, através de uma longa sequência de
salas, com miais de três centenas de objetos pessoais (letras, notas
manuscritas, instrumentos musicais, discos), provas de contacto, fotografias e
cartazes, fatos usados em sessões fotográficas, telediscos e concertos, com
ecrãs vídeo aqui e ali e um acompanhamento permanente (com áudio) através dos
auscultadores que nos são entregues à entrada.
Mas comecemos pelo principio. É com o icónico fato negro, de
formas grandes e arredondadas, que Kensai Yamamoto criou em 1973 para a Aladdin
Sane Tour que entramos no espaço que nos convida a descobrir o universo de
Bowie. Numa percurso que cruza épocas e avança no tempo, aqui e ali propondo
contudo alguns flashbacks, somos levados a redescobrir os seus primeiros
passos. Sob o lema ‘David Bowie é um rosto entre uma multidão’ recordamos uma
etapa de tentativas sem sucesso que precederam Space Oddity, ainda longe de
encontrada uma linguagem e uma personalidade. Estão ali fotos do seu primeiro
grupo (os Kon-Rads), vemos a carta na qual, mais tarde, o manager explica que o
músico se passa a chamar David Bowie [David Jones é o seu nome real], vemos os
seus primeiros discos, pautas das primeiras canções. Ao som de Space Oddity
(1969) encontramos ideias que o estimularam (cartazes do 2001 de Kubrick,
imagens de Chelsea Girls de Warhol e Paul Morrissey)... “David Bowie é um
astronauta num espaço interior”, lemos na parede, ouvindo Life on Mars? (1971)
vendo letras manuscritas de canções como Starman ou Five Years, mais adiante as
de Fame ou Scary Monsters, pinturas de nomes que marcaram (como Wittgenstein In
New York, de Eduardo Paolozzi), imagens de figuras que estimularam ideias
(Oscar Wilde, William Burroughs, entre outros)...
Pelas salas da exposição vamos encontrando roupas usadas nos
concertos das suas várias digressões, entre elas a Ziggy Stardust Tour, a
Serious Moonlight dos oitentas ou a Sound + Vision que nos visitou em 1990. Há
também criações que passaram por atuações televisivas, como o “fato” que levou
ao SNL, quando se fez acompanhar por Klaus Nomi e Joey Arias (com um vídeo a
recordar o momento). E outras que vimos em telediscos, como Life on Mars?,
Ashes To Ashes ou Blue Jean. Ou ainda as que usou em capas de discos, como o casaco
com a Union Jack que Alexandre McQueen criou para Earthling (1997).
Todas as capas dos álbuns estão representadas, algumas com
os respetivos estudos e esboços (como em Diamond Dogs ou Heroes, neste caso com
um desenho do próprio Bowie, e até mesmo a do recente The Next Day). Há
pinturas de sua autoria. Instrumentos como um sintetizador AKS de 1974 ou a
guitarra que o acompanhou na Reality Tour, de 2003 e 2004. Maquetes de palcos.
Fotos dos filmes em que participou. E expressões claras da sua influência sobre
outros. E, no fundo sobre todos nós.
Perto do fim, a frase orewliana ‘David Bowie is Watching
you’ sublinha essa ideia de ligação ao outro. Não apenas aquele que o
influencia, mas também os que depois recebem o seu trabalho. No fundo, acabamos
todos por ter um papel entre as consequências da obra de Bowie. A exposição
acaba sem fechar a frase ‘David Bowie is’... Mas deixa claro que cada um de nós
poderá, afinal, ter uma resposta.
“Ele é um ícone e a forma como se esconde torna-o ainda mais
atrativo”, comentou o diretor do museu, Martin Roth, na apresentação à imprensa
que decorreu esta quarta-feira, reconhecendo o sucesso que a procura de
bilhetes está a conhecer (estavam vendidos 50 mil nessa manhã, mais oito mil
que na véspera). Por seu lado Victoria Broackes, uma das curadoras de ‘David
Bowie Is’ justificou a vontade de criar uma exposição com um título em aberto,
“porque não há uma só resposta”, disse. Recordou então que começaram a preparar
a exposição há cerca de dois anos, contando com o total apoio dos arquivos de
Bowie, tanto que estão expostas mais de 300 peças pessoais, muitas delas nunca
antes mostradas publicamente. Interessada em compreender “como trabalha um
artista”, procurou representar nesta exposição os espaços “da inspiração, o
processo criativo e o impacto de uma obra”, tentando ainda integrar “o som e a imagem
como parte da história” que ali se conta.
Ninguém no Victoria & Albert sabia do álbum que Bowie
foi criando ao longo destes mesmos dois últimos anos e que agora está no número
um em 12 países (entre os quais Portugal). Martin Roth acrescentou que “Bowie
ainda não está aqui e não sabemos se virá num destes dias”... Talvez no dia
seguinte), gracejou (referindo o título do novo disco).