domingo, fevereiro 24, 2013

Escutar os céus, com Daniel Hope

O novo álbum do violinista Daniel Hope propõe um percurso por vários autores e épocas, com claro protagonismo de acontecimentos do nosso tempo. Este texto foi originalmente publicado na edição de dia 19 de fevereiro do DN.

Foi em 1989. No mesmo ano em que Berlim via o muro cair, o violinista Nigel Kennedy surgia na capa de uma nova gravação (com a English Chamber Orchestra) d’As Quatro Estações de Vivaldi. Era apenas mais uma entre as muitas edições de uma das obras mais gravadas de sempre. O que fazia a diferença? A imagem do violinista que se mostrava na capa com um look de ponteagudos cabelos em pé, como era então mais habitual ver pelos lados da música pop. O disco cativou atenções e fez de Kennedy uma estrela instantânea. 24 anos depois, há cortes de cabelo para todos os gostos entre os violinistas. Mas não é por aí que as suas “vozes” falam hoje mais alto. E num mundo onde abundam as escolas de música e novos talentos emergem de todas as latitudes a diferença faz-se, cada vez mais, pela capacidade de cada um expressar a sua personalidade.

Se a imagem informal com que se apresenta o violinista britânico Daniel Hope assinala logo num primeiro contacto um contraste com a austeridade visual dos grandes mestres de outrora – como David Oistrakh ou Yehudi Menuhin – os seus horizontes de trabalho vincam mais ainda o aprofundar de uma identidade. Basta entrarmos no seu site oficial para que nos seja desde logo sugerida uma multiplicidade de interesses e trabalhos, ao seu papel como músico juntando-se um perfil de comunicador, autor, produtor e “ativista musical”, Neste último departamento a expressão das suas ideias e causas passam por projetos como o ‘Kristallnacht Project’ (que evocou os 70 anos da ‘noite de cristal’) ou Terezin (disco que recordou obras criadas por compositores que passaram pelo campo de concentração nazi de Theresienstadt).

Nascido em Durban (África do Sul) em 1973, Daniel Hope lembra entre as suas memórias de infância um interesse pelo espaço, confessando no booklet do seu novo disco que olhar os céus, de noite, era a única coisa que o cativava tanto como a música. Mais tarde, através do programa televisivo The Music of Man, de Yehudi Menuhin, descobre a figura de Carl Sagan. “Foi ele quem me abriu os olhos para a magnitude do universo e para a noção de música das esferas”, explica o violinista em Spheres, justificando nesse encontro de há cerca de 30 anos a raiz da ideia que conduz o novo disco. Ali procurou juntar “música e tempo”, incluindo no alinhamento peças de compositores de épocas diferentes “que talvez não se encontrassem sempre numa mesma galáxia”, mas que “estão unidos por uma questão antiga: há algo mais ali fora?”...

É de uma profunda curiosidade pela esfera celeste que Shperes ganha agora forma. No texto em que apresenta o disco, Daniel Hope recorda episódios de semelhante interesse que encontramos em vários compositores. Como Haydn, que consultou o astrónomo William Hershel e espreitou as estrelas através de um telescópio antes de concluír a sua Criação. Ou Josef Strauss, cuja valsa Sphärenklänge “propôs uma visão romântica dos céus”. Ou ainda Philip Glass – que homenageou Menhuin em Echorus –, eterno questionador das qualidades do som no limiar de um buraco negro.

Philip Glass (e muito concretamente com Echorus), é precisamente um dos nomes que Daniel Hope aborda no alinhamento de Spheres, onde, na companhia de elementos da Deutsches Kammerorchester Berlin e do Rundfunkchor Berlin, dirigidos por Simon Halsey, interpreta peças de outros compositores contemporâneos consagrados como Arvo Pärt ou Michael Nyman, talentos em franca ascensão no presente como Max Richter, Alex Baranowski ou Gabriel Prokofief (de alguns deles assegurando aqui estreias dessas obras em disco) e ainda figuras de outros tempos, de Gabriel Fauré ou von Westhoff a Johann Sebastian Bach. Entre ecos do século XVII e o presente, Spheres projeta através de 18 percursos, onde o violino é protagonista, uma viagem que tanto procura a harmonia astronómica de que falavam os homens de ciência de outrora como uma lógica atual que sabe que toda esta música surgiu e se faz soar sobre as mesmas estrelas.



Imagens de um filme promocional de apresentação do disco.