domingo, janeiro 13, 2013

Reencontro com um "clássico"

Nova edição em disco (CD ou digital) de uma gravação de 1984 de Einstein on The Beach de Philip Glass. A versão em CD inclui um DVD com o documentário 'The Changing Image of Opera'.

Começo com uma nota absolutamente pessoal. Em meados dos anos 80, num serão de RTP2 lembro-me de ver o episódio dedicado a Philip Glass da série de quatro programas ‘Four American Composers’, realizada por Peter Greenaway. Um compositor com grandes caracóis despenteados a rigor apresentava uma música que soava a coisa nova mas, ao mesmo tempo, tremendamente familiar, desafiante mas bem arrumada... Repetitiva, mas na verdade cheia de pequenas mudanças a cada repetição. Pelo palco havia sintetizadores, o grupo que o acompanhava apresentando ainda instrumentos de sopro e uma cantora... Ao som de Spaceship, uma cena no final do último ato de Einstein on the Beach, o momento desencadeou aquele tipo de instantes que mudam uma vida. Coisa sublinhada pouco depois por uma cópia do álbum Songs From Liquid Days emprestado por uma professora do departamento da faculdade onde eu então estudava. E tudo isto, com cereja sobre o bolo numa resposta que Glass dava ao entrevistador nesse mesmo programa ao falar das reações diferentes à sua música: “Há quem goste porque é barulhenta, é quem goste porque é rápida, há quem goste porque é muito clássica, há quem goste porque não é clássica, há quem goste porque soa a música indie e quem goste porque acha que não soa a música indie... Tem tudo a ver com a idade de cada um e com o que cada pessoa traz à música”... Tinha encontrado o “meu” compositor. E, quase 30 anos depois, acrescento que nunca me desiludiu.


Já se escreveu e teorizou tanto sobre Einstein on The Beach e a forma como a ópera criada por Philip Glass e Robert Wilson (estreada em 1974) se transformou não apenas numa referência do teatro musical do século XX mas também importante momento de viragem na história do relacionamento de novas gerações de públicos com os espaços (físicos e estéticos) da música “clássica” (pois, não é bem clássica mas não deixa de o ser, da graça do paradigma nascendo parte da alma que distingue esta música). Foquemos, por isso, o facto de haver no mercado uma nova edição que alarga assim a três o número de gravações da ópera, facto raro entre a produção operática do nosso tempo (igualando curiosamente o número de gravações editadas do igualmente marcante Nixon In China de John Adams (duas em disco e uma, bem recente, em DVD e Blu-ray).

Sucessora da gravação histórica originalmente lançada pela Tomato Records numa caixa com quatro álbuns em vinil em 1979 que juntava gravações, com algumas das cenas em versões encurtadas, da música (interpretada pelo Philip Glass Ensemble) que fora apresentada entre palcos norte-americanos e europeus na sua digressão de 1976. Reeditada pouco depois pela CBS, essa primeira gravação surgiu pouco depois no formato de um CD quádruplo e originou tarde mais uma versão low price que ainda hoje está disponível nas lojas. Nos anos 90, numa altura em que o compositor esteve discograficamente ligado à Nonesuch Records, uma nova gravação (novamente pelo Philip Glass Ensemble) decorreu entre janeiro e março de 1993 nos estúdios de Glass em Nova Iorque, surgindo em disco ainda esse ano na forma de um triplo CD, três anos depois a mesma gravação tendo gerado um CD único de ‘highlights’ da ópera.

O novo disco, que representa a primeira vez que Glass assegura ele mesmo (através da sua própria editora) uma edição da ópera que colocou o seu nome no mapa-mundo da história da música, resulta da gravação de uma produção apresentada em 1984 pela Brooklyn Academy of Music, a mesma sala que no ano passado, assinalando os 75 anos do compositor, repôs em cena esta mesma ópera. A interpretação acentua diferenças maiores face às outras gravações já conhecidas pelo carácter das especificidades dos registos de alguns dos sintetizadores usados. Mas a grande novidade desta edição é a inclusão de um DVD com o documentário (de perto de uma hora) The Changing Image of Opera, de Chris A. Verges, que junta imagens desta mesma produção, momentos dos ensaios e entrevistas onde Philip Glass e Robert Wilson explicam a obra, o contexto em que surgiu e o impacte que, no intervalo de dez anos, começara a ter no meio ao seu redor. A versão em disco (a que traz o DVD como extra) apresenta apenas uma seleção de momentos desta gravação de Einstein on The Beach. Porém, via iTunes, está disponível uma versão integral da ópera, mostrando-se assim pela primeira vez de fio a pavio em suporte áudio sem as restrições naturalmente impostas pelo LP e o CD. A faltar fica, apenas, uma primeira edição em DVD (e, já agora, Blu-ray) da ópera. Será que da produção de 2012, que ainda está a correr o mundo, teremos em breve boas notícias?

Veja aqui um excerto do documentário The Changing Image of Opera.