Lembro-me de idas a Londres que eram como uma verdadeira romagem de capelinhas (que de “inhas” nada tinham) entre lojas e mais lojas de discos. A coisa começava na esquina de Oxford St com Tottenham Court Rd. com a grande (era enorme) loja Virgin Megastore. Depois, Oxford St. adiante, havia a HVM, perto de Oxford Circus. Virava depois ali perto por Berwick St, entrando no Soho. E nessa rua era quase porta sim, porta sim, entre as muitas lojas (especializadas, algumas delas), morando ali a mítica Sister Ray. O dia acabava em Picadilly (e era mesmo um dia inteiro a ver tantas prateleiras de discos) na Tower Records (com aquele sabor a loja americana e também excelentes importações japonsas). Num outro dia rumava a Camden Towm à Rhythm Records e à própria feira onde apareciam umas boas pechinchas. Havia ainda a Rough Trade. E, com tempo, ainda passava pela HMV perto de Marble Arch. Isto era em finais dos anos 80. Não havia Internet. Poucas eram as lojas que faziam importação direta de discos em Lisboa. E cada viagem a Londres prometia regresso com alguns sacos cheios de discos.
A dada altura, era este um mercado florescente, a Virgin chegou a abrir uma segunda loja grande em Londres, mais feita de design que de discos, em Picadilly, junto à Tower Records. Mas essa foi precisamente a primeira das lojas grandes a fechar. As Virgin (e houve uma em Lisboa, com inauguração com atuação das Spice Girls – é verdade, estiveram cá para isso mesmo) foram fechando por todo o lado. Até mesmo as grandes lojas em Union Square e Times Square, em Nova Iorque. Restava a de Paris, e dela tivemos notícia da sua insolvência há poucos dias. Depois foram as Tower, fechando a de Londres, a mítica loja na Broadway (em Nova Iorque, na esquina da mesma rua 4 onde ainda sobrevive a Other Music, um paraíso indie para CD e vinil). Em 2011 a HMV tinha já reduzido a extensão da sua rede de lojas. Mas esta semana declarou falência e colocou os seus destinos numa consultora externa, na esperança de que se salvem os empregos e talvez alguém compre o negócio... Mas, para todos os efeitos, e assim têm contado os noticiários na imprensa britânica, a HMV deve fechar as portas. E a loja em Oxford Street, a última das “grandes lojas de discos” (e não só), deverá ser assim apagada do mapa londrino.
Consome-se menos música? Nada disso. Creio que nunca se consumiu tanta. E não vamos apontar o dedo a quem faz downloads não legais como o “culpado” da história. A concorrência das lojas online é enorme. Seja as que vendem produtos físicos (como a Amazon) ou as que apresentam música digital, não só têm preços bem mais convidativos como catálogos mais vastos e servem o conforto de quem não tem de sair de casa. Confesso que não me importava dos passeios extra que o bilhete de avião e a conta do hotel depois permitiam fazer em Londres, dos museus a outras lojas, mais alguns restaurantes preferidos Mas online sai mais barato, é verdade. Isto, além do facto de hoje em dia muitos serem os músicos que, literalmente, oferecem a sua música, deixando depois a quem o entender um eventual ato de compra. Veja-se o caso de The Weekend, que ofereceu três álbuns de seguida e, agora, os vai disponibilizar em disco físico para quem quiser comprar.
O que mudou foi assim foi o paradigma no consumo da música. O CD desvalorizou com o tempo. O vinil regressou, mas serve um nicho melómano. O download tornou-se voz corrente. A oferta online aumentou. E as grandes lojas deixaram de ser viáveis (a menos que cruzem o negócio da música gravada com outras potenciais fontes de interesse). Com o tempo talvez sobrevivam apenas aquelas lojas que nos dão serviço especial. Como as que vendem vinil usado ou de coleção. Ou que se especializam em géneros específicos, com atendimento informado, e conseguem nas cidades em que vivem um volume de negócio que as permitam existir.
Em Londres quase que me resta fazer a romaria entre as pequenas lojas de usados em Notting Hill Gate... Mas há muito que já não é pelos discos que um melómano vai Londres.