A reposição de Vertigo (1958), de Alfred Hitchcock, permite-nos redescobrir um modelo raro de cineasta (hoje em dia desvalorizado pela promoção dos mais banais gestores de efeitos especiais...): é o criador que entende o seu labor específico como uma singularíssima arte da escrita.
Não se trata, assim, de "aplicar" imagens e sons para contar uma história, nem de "reproduzir" o que quer que seja (actividade normativa, a primeira, e ilusão naturalista, a segunda, que se tornaram o credo quotidiano das rotinas televisivas). Trata-se, isso sim, de praticar o cinema como uma permanente reconversão dos dados da percepção, a ponto de a visão e a leitura se confundirem num mesmo acto de reimaginação do mundo. Génio das artes gráficas, Saul Bass (1920-1996) soube interpretar como poucos essa vocação transcendental da obra de Hitchcock: no seu genérico de Vertigo, cada nome inscreve-se sobre uma imagem que nele faz ecoar uma imediata perturbação simbólica. Como se uma imagem fosse uma palavra suspensa. E uma imagem uma palavra pressentida.