Em muitos momentos televisivos, o futebol passou a ser tratado como um "destino" que os comentadores nos ajudam a satisfazer... Uma tristeza. E Franky Vercauteren não tem culpa — este texto foi publicado no Diário de Notícias (3 Dezembro), com o título 'Vercauteren contra Brad Pitt'.
A maior parte dos comentadores televisivos do futebol tem dificuldade em lidar com uma evidência do mundo audiovisual: pela quantidade e, sobretudo, pelo valor simbólico das suas intervenções, a sua função define alguns dos valores fundamentais da visão corrente do mundo pelo espaço televisivo. Só assim se pode compreender que a actual situação do Sporting seja todos os dias tratada como se fosse uma tragédia nacional de que depende o destino histórico do nosso país.
Peço ao leitor a mais elementar serenidade. Peço, sobretudo, que não confira importância à palavra “Sporting” que sinaliza esta questão. Por duas razões fundamentais: primeiro, porque estamos perante um fenómeno cíclico, já observado a propósito de crises de outros clubes “grandes” (os “pequenos”, coitados, são mesmo rasurados das notícias quando se atrevem a ganhar aos “grandes”); depois, porque não desejaria reforçar a deprimente ideologia clubista que passou a dominar a maior parte dos debates sobre futebol. Em boa verdade, tornou-se quase impossível encontrar alguém que, sem complexos, manifeste admiração pela excelência de jogo de um qualquer adversário – e isso é tristemente revelador da “educação” desportiva que se instila nos cidadãos.
O que está em causa é o peso e o maniqueísmo com que, todos os dias, são tratados os temas futebolísticos. Na prática, assistimos a esse terrível fenómeno jornalístico que consiste em conferir importância informativa, e um inusitado tempo de antena, ao facto de “quinze” ou “vinte” pessoas (números referidos nas próprias reportagens) se colocarem à porta de um qualquer estádio a insultar treinadores, jogadores ou dirigentes...
Podemos mesmo duvidar da simples consistência argumentativa que sustenta toda esta violenta “futebolização” do quotidiano. Sintoma esclarecedor: depois de meses e meses em que ouvimos um coro imenso a tratar a equipa do Sporting como um símbolo de qualidade cujos falhanços não se podiam “aceitar”, começaram a proliferar as vozes que garantem que o respectivo plantel anda à beira de uma penosa mediocridade... Por certo ainda a tentar entender a vertigem mediática para que foi empurrado, Franky Vercauteren, o esforçado treinador belga do Sporting, tem tido mais evidência televisiva do que, por exemplo, Brad Pitt e o lançamento do seu filme mais recente (esse magnífico thriller que é Mata-os Suavemente, realizado por Andrew Dominik).
O caso é duplamente sintomático. Porquê? Porque Brad Pitt, também ele, é quase sempre tratado ao nível da caricatura mais tosca: “rico” e “bonito”, só pode ser uma figura anedótica, tanto mais que não aceita submeter-se aos medíocres rituais rosados dos “famosos”. Bem pelo contrário, e como este filme demonstra (assumindo também o papel de produtor), ele é uma das personalidades mais criativas do actual cinema americano. Vercauteren não tem culpa.