Para onde vai a RTP? Qual a pertinência da noção de "serviço público" no futuro da RTP e de toda a televisão em Portugal? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (24 Dezembro), com o título 'Para (não) acabar com a RTP'.
Termina o ano de 2012 sem que seja claro o destino da RTP. A mais recente proposta do governo (envolvendo a possibilidade de privatização de 49% da empresa) ficou suspensa nas suas indefinições: quais os efeitos sobre os restantes operadores da existência de um novo protagonista privado no mercado audiovisual, detendo 51% de um canal... público?
Nesta conjuntura de incertezas, alguns têm preferido demonizar o ministro Miguel Relvas. É sempre fácil convocar os bodes expiatórios mais à mão (afinal, continua a haver protagonistas da cena político-mediática que evocam o nome de José Sócrates como se daí nascesse um discurso transparente e indesmentível sobre todos os males acumulados na sociedade portuguesa). Não que, até agora, o ministro tenha apresentado uma visão sobre a televisão que seja uma obra-prima de argumentação política. Acontece que o seu impensado é tão só um caso pontual de uma saga com mais de três décadas. A saber: a indiferença da maioria da classe política, em todos os quadrantes, em relação à identidade social do espaço televisivo. Há uma maneira muito crua de dizer isto: todos os dias, a população é bombardeada com “reality shows” que desafiam os mais básicos princípios de dignidade humana garantidos pela lei; onde estão os políticos empenhados em questionar os poderes mediáticos, culturais e económicos de tais programas?
Confesso, por isso, o meu cepticismo perante alguns inflamados discursos que, dos sectores mais diversos, exaltam a defesa do “serviço público”. Desde logo, porque não detecto qualquer homogeneidade em tais discursos: não creio que estejam todos a dizer o mesmo quando aplicam a expressão “serviço público” e, em boa verdade, temo que alguns nunca tenham pensado naquilo que estão a dizer. Depois, porque quase todas essas vozes, defensoras do “serviço público”, mostram uma olímpica indiferença face a um valor absoluto da RTP. Qual? O património das suas imagens, isto é, o seu arquivo.
Este desabafo não envolve nenhuma certeza. Tenho cada vez mais dúvidas sobre as tradicionais definições de “serviço público”. Penso mesmo que a insistência na sua formulação apologética nos está a fazer passar ao lado do presente tecnológico e comunicacional da televisão, ao mesmo tempo que bloqueia qualquer projecto consistente para o seu futuro.
Habituei-me, há muitos anos, a ouvir coisas caricatas como essa que garante que os críticos querem que a televisão só passe “ópera & bailado”... Desisti mesmo de considerar que tal estupidez se possa contrariar por qualquer argumentação exigente e racional. Entretanto, não posso deixar de pensar que algumas formas efémeras de “desporto” político (como insultar quem está no governo, chame-se “Sócrates” ou “Relvas”) apenas servem para agravar os nossos dramas, neste caso criando condições cada vez mais propícias para que, um dia destes, já nem haja RTP.