sábado, dezembro 29, 2012

Paulo Rocha (1935 - 2012)


Foi um dos autores emblemáticos do Cinema Novo português, desenvolvendo depois uma obra em que a nossa identidade (afectiva e cultural) esteve sempre em jogo: Paulo Rocha faleceu, a 29 de Dezembro, num hospital do Porto — completara 77 anos no passado dia 22.
Começou por estudar Direito, mas a sua vida cedo se orientou para o universo cinematográfico, envolvendo-se no movimento cineclubista. Em 1959, em Paris, já frequentava o Institut des Hautes Études Cinématographiques (IDHEC que, em 1986, deu lugar a La Femis). Foi assistente de realização daquele que seria um dos seus autores de referência, Jean Renoir, no filme Le Caporal Épinglé/O Cabo de Guerra (1962). De regresso a Portugal, estreou-se na realização com Os Verdes Anos (1963), melodrama urbano em cenários das avenidas novas de Lisboa e um dos momentos simbólicos de eclosão do Cinema Novo. Assinaria ainda outra longa-metragem incontornável na história do cinema português da década de 60: Mudar de Vida (1966), tendo por pano de fundo as convulsões da emigração — em ambos os casos, a banda sonora tinha assinatura de Carlos Paredes [videos].
Foi um dos fundadores, e director, do Centro Português de Cinema, cooperativa de cineastas que, no período 1970-76 (tradicionalmente designado pela expressão "os anos Gulbenkian"), desempenhou um fundamental papel dinamizador da produção — O Passado e o Presente (1972), de Manoel de Oliveira, é um dos títulos gerados nessa conjuntura. Um dos objectos centrais da sua filmografia, A Ilha dos Amores (1982), sobre Wenceslau de Moraes, é indissociável da sua permanência no Japão (1975-1983), como adido cultura da Embaixada Portuguesa em Tóquio. Assinou dois títulos da série 'Cinéastes de notre temps', sobre Manoel de Oliveira (L'Architecte, 1993) e Shohei Imamura (Le Libre Penseur, 1995). O seu derradeiro filme estreado, Vanitas (2004), sobre o mundo da moda, marcou o reencontro artístico com Isabel Ruth, actriz de Os Verdes Anos e Mudar de Vida. Entretanto, Olhos Vermelhos (2011) permanece inédito.

>>> Teatro São Luiz, Lisboa, 1992: com Luísa Amaro (viola) e Paulo Curado (flauta), Carlos Paredes interpreta os temas de Os Verdes Anos e Mudar de Vida.




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A história do cinema português está cheia de processos de invisibilidade. Por exemplo, A Ilha dos Amores, de Paulo Rocha: produzido em 1982, presente na secção competitiva do Festival de Cannes desse ano, estreou nas salas portuguesas em... 1991! Dito de outro modo: enquanto o país ia sendo submergido na interminável agonia das telenovelas, um filme como A Ilha dos Amores esperava uma década para ser projectado num ecrã de uma sala comercial.
A história do cinema saído das convulsões das novas cinematografias (França, Brasil, Checoslováquia, Portugal, etc.) é também uma história de muitos desequilíbrios deste género que a obra de Paulo Rocha pode simbolizar de forma directa, por vezes dramática. Para além dos limites ou contradições dos protagonistas dessas cinematografias — santificá-los nunca será uma boa maneira de os conhecer —, são criadores que viveram uma parte significativa do seu labor em paralelo com o triunfo dos padrões populistas das televisões (com resultados catastróficos que, todos os dias, contaminam o nosso viver quotidiano).
Daí a necessidade de valorizar e revalorizar um valor fulcral inerente à obra de Paulo Rocha: o empenho e a exigência em fazer um cinema que não desista do seu tempo, da possibilidade de o ler e habitar para além dos clichés que desumanizam as relações e congelam a alegria das linguagens. Veja-se e reveja-se Os Verdes Anos: a história do amor da criada e do sapateiro podia ser o ponto de partida para uma telenovela... Podia, mas não é: a sua verdade emocional e a atenção medódica ao factor humano conferem-lhe, a posteriori, um precioso valor crítico face à ditadura narrativa que, contra a singularidade do cinema, triunfou nos nossos ecrãs mais pequenos.

>>> Obituário no Diário de Notícias.
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Esta fotografia de Paulo Rocha (provavelmente durante a montagem de Os Verdes Anos) está publicada no site da Cinemateca Portuguesa — notícia sobre sessão especial de homenagem a Paulo Rocha: dia 2 de Janeiro, 21h30.

>>> 'Um cineasta do tempo presente' (JL).