domingo, dezembro 02, 2012

O prazer de ver futebol?...

PAUL KLEE
Camelo (numa paisagem rítmica de árvores)

1920
Os modos correntes de analisar (?) o futebol reflectem uma incrível cegueira, de percepção e pensamento, face à pluralidade do desporto e do mundo em geral — este texto foi publicado no Diário de Notícias (30 Novembro), com o título 'O treinador que nunca existiu'.

No seu pueril determinismo, o imaginário corrente do futebol é um espelho deprimente da nossa capacidade (e, sobretudo, da nossa incapacidade) de pensar o mundo e a sua paradoxal pluralidade. Que fazer quando se transforma o resultado de um jogo numa questão de “justiça”? Há comentadores que, se pudessem, interditariam os golos “contra a corrente do jogo”... Continua por explicar que lei fundamenta tais juízos e também que tribunal deve corrigir as “injustiças”. Ninguém nos esclarece, pobres mortais.
Mas há mais. Jogo a jogo, comentário a comentário, as fórmulas mais cegas vão destruindo metodicamente o simples prazer de ver futebol. Há dias, José Peseiro queixava-se de a sua equipa ter sofrido um golo “quando já ninguém esperava”... Não está em causa a legitimidade de ele, ou qualquer outro treinador, dizer o que muito bem entender. O certo é que semelhante equação (?) vem reforçar o subtexto maligno que alguns jornalistas “justiceiros” foram introduzindo no discurso sobre o futebol.
Assim, quando um jogo está empatado até muito perto do final, qualquer golo que surja só pode decorrer de um “erro” que importa denunciar. Mais do que isso: quem marcar um golo, por exemplo, aos 27 ou aos 63 minutos pode garantir uma vitória “justa”, mas se o fizer aos 92 minutos, então é imediatamente suspeito de “oportunismo”. Por certo, o mundo seria mais perfeito se aí pelos 80 minutos de cada jogo todas as equipas desistissem de marcar golos, evitando pôr em causa o “destino” que os comentadores têm por missão administrar...
Entretanto, um novo enunciado transcendental deu entrada na gíria deste risonho circo da insensatez: é o do treinador que, quando orienta uma determinada equipa, está “condenado” a conquistar títulos... Tem acontecido com Vítor Pereira. Ele lá vai ganhando jogos e mais jogos, conseguindo mesmo que o F. C. Porto tenha, para já, a melhor performance de todas as equipas que disputam as provas europeias... Mas não passa de um incompetente!!! Porquê? Porque “quem treina o Porto está condenado a ser campeão”. Em boa verdade, já ouvimos insultos mais subtis.