Monte Hellman esteve no Lisbon & Estoril Film Festival para acompanhar uma retrospectiva dos seus filmes e apresentar uma "masterclass": oportunidade para encontrar um autor de genuína independência — este texto foi publicado no Diário de Notícias (17 Novembro), com o título 'Tragédias gregas e americanas'.
A presença de Monte Hellman no Lisbon & Estoril Film Festival envolve a contemplação de uma inevitável dimensão lendária. Ele é, afinal, o realizador do mítico Two-Lane Blacktop (1972), símbolo visceral de um espírito “on the road” que, não por acaso, se cruza com a identidade musical dos seus protagonistas: James Taylor e Dennis Wilson (baterista dos Beach Boys). Nascido em 1932, Hellman é protagonista de uma extraordinária trajectória criativa que começa nas produções independentes de Roger Corman, passa por alguns dos mais belos westerns dos anos 60, envolve colaborações com nomes como Sergio Leone ou Quentin Tarantino (foi produtor executivo do seu filme de estreia, Cães Danados, em 1992), para desembocar na admirável integração, técnica e temática, das câmaras digitais em Road to Nowhere/Sem Destino (2010).
Se há em Hellman a vibração peculiar de um verdadeiro maverick não é, por isso, em função de um mero conceito de “cinema independente” (que ele, aliás, relativiza sem drama). O que o distingue é a independência radical de um criador que, filme a filme, nunca se apagou num qualquer estereótipo colectivo.
Por isso, quando Hellman nos diz que os seus westerns dos anos 60, Ride in the Whirlwind/O Furacão e The Shooting/Duelo no Deserto (ambos com um espantoso Jack Nicholson, pré-Easy Rider), envolviam o retorno a matrizes da tragédia grega, devemos tomá-lo à letra: a singularidade do seu trabalho pertence tanto às paisagens americanas como a uma cultura genuinamente clássica e universal. Pelo seu cinema perpassam as contradições de um imaginário que, embora marcado por toda uma mitologia dos heróis, nunca deixou de contemplar as ambivalências do heroísmo. Hoje como sempre, o mais corrente anti-americanismo primário passa ao lado de tão fascinante complexidade artística.