sexta-feira, novembro 30, 2012

20 anos a falar de "Sex"

Um dos princípios mais rasteiros das "polémicas" em torno das imagens das estrelas não é o seu empenho em reduzir tudo ao gratuito... Basta-lhes mentir. O Daily Mail, por exemplo: para comentar a imagem que tem servido de promoção ao novo perfume de Madonna, Naked, o tablóide "denuncia" o facto de ter sido fabricada a partir de uma fotografia do livro Sex.


Que publicações como o Daily Mail mostrem grande espanto pelo facto de as imagens das estrelas serem tratadas, depuradas e manipuladas, eis uma questão pitoresca: digamos que é uma "descoberta" que chega com cerca de um século de atraso, mas não é grave... Pelo menos desde Jean Harlow (1911-1937) que uma estrela é, afinal, um ser que, entre outras coisas, vive disso mesmo: uma política formal e simbólica de permanente reconversão e diversificação do património iconográfico que corporiza, sustenta e protagoniza.
Acontece que a fotografia "copiada" não é de Sex, mesmo se é verdade que também é assinada por Steven Meisel, o fotógrafo que fez o livro com Madonna. Dá-se o caso de se estarem a assinalar vinte anos da edição de Sex, pelo que dá jeito proclamar semelhante falsidade...


Este 20º aniversário faz-nos recordar a peculiar batalha jornalística que, em Outubro/Novembro de 1992, envolveu o aparecimento de Sex, religiosamente guardado na sua gélida embalagem metalizada. De facto, para alguns tratava-se de empolar o facto de Madonna ter decidido mostrar-se... "ao natural" (entenda-se: trabalhando com imagens de nus). Para outros, entre os quais me incluo, o que estava em jogo era bem diferente. Era mesmo a discussão, ao mesmo tempo visual e cultural, da nudez como um código que, em boa verdade, não tem nada de natural.
Dito de outro modo: Sex não é um livro confessional, mesmo se é um livro que explora as fronteiras do que designamos por intimidade. Aliás, os mais precipitados, por certo vidrados nas representações que queriam "denunciar", nem se deram ao trabalho de observar como o labor das imagens é, como sempre, em Madonna, indissociável de um sofisticado exercício de escrita. Ela o diz, logo a abrir o livro: "(...) E a propósito: qualquer semelhança entre as personagens e os acontecimentos retratados neste livro e pessoas e acontecimentos verdadeiros não é apenas pura coincidência. É também ridículo. Nada neste livro é verdade. Fui eu que inventei tudo."
Semelhante artifício não exclui o cristalino reconhecimento de que passam por aqui imagens e imaginações que desafiam muitas certezas, a começar pelas certezas que os próprios protagonistas poderiam alimentar através das suas poses fotográficas. No final de Sex, o longo texto de agradecimento de Madonna conclui mesmo com uma terna referência ao seu fotógrafo: "Acima de tudo, obrigado a Steven Meisel por não ter sentido medo quando eu senti."
O escândalo continua a ser esse: o de o leitor reconhecer, não o choque da nudez (qual choque?...), mas a nitidez do medo que se encena. E a cumplicidade com o próprio medo de quem olha. Eu. Tu.


>>> Os 20 anos de Sex na revista Clash.