Astérix e Obélix ao Serviço de Sua Majestade é mais um exemplo de uma prática de sequelas que, melhor ou pior, têm inundado a produção (e os mercados) da Europa e da América — este texto foi publicado no Diário de Notícias (21 Outubro), com o título 'Histórias e sequelas do marketing'.
Em França, os primeiros números de bilheteira do filme Astérix e Obélix: ao Serviço de sua Majestade são decepcionantes. No dia de estreia, 17 de Outubro (surgiu em diversos mercados europeus, incluindo o português, no dia seguinte), a quarta superprodução baseada nos álbuns de banda desenhada assinados por Goscinny e Uderzo foi vista por 120.586 espectadores, valor muito abaixo do obtido pelos títulos anteriores; Astérix nos Jogos Olímpicos (2008), apesar de ter tido o pior arranque dos três, vendera no mesmo dia 464.248 bilhetes. Significa isto que uma das maiores apostas da mais recente produção francesa, com orçamento superior a 60 milhões de euros, corre o risco de ter um saldo comercial francamente mediano (considerando os títulos lançados em 2012, a sua performance no dia de estreia foi apenas a 19ª do ano).
Escusado será lembrar que tais valores não autorizam qualquer “dedução” sobre as qualidades específicas do filme. Já basta o massacre desse “jornalismo” de miséria que confunde a compreensão do cinema e suas linguagens com as estatísticas do box office. E mesmo que Astérix e Obélix: ao Serviço de sua Majestade fosse uma radiosa obra-prima (infelizmente, não é...), isso não invalidaria o facto que aqui volto a sublinhar. A saber: alguma produção contemporânea, sustentada por opções dominantes nos mercados, consagrou uma prática de cópia e repetição que tende a afastar das salas escuras um número crescente de espectadores.
Embora enraizado em estratégias de Hollywood, materializadas na produção regular de blockbusters, este é um daqueles fenómenos transversais que se instalou também na Europa, gerando séries como “Astérix e Obélix”. Podemos, como é óbvio, contrapor que a sequela sempre existiu como elemento artístico e comercial do funcionamento do cinema: afinal de contas, O Padrinho II (1974) é ainda melhor que esse filme, já por si admirável, que é O Padrinho (1972). Não é isso que está em causa. O que está em causa é o triunfo de uma lógica de formatação que, como a designação indica, sobrepôs os desígnios do marketing aos modelos criativos do cinema, mesmo (aliás, sobretudo) os de géneros eminentemente populares.
Que a questão não é linear, lembra-o a própria história dos blockbusters. Revendo Tubarão (1975), de Steven Spielberg, precisamente o filme que gerou o conceito de blockbuster, não podemos deixar de recordar que esta é também uma história recheada de momentos prodigiosos: agora lançado numa impecável edição em Blu-ray, com cópia restaurada, Tubarão é uma das mais impressionantes fábulas sobre o medo que o cinema já produziu. Mais do que isso: há nele uma consciência da vulnerabilidade dos laços sociais cuja actualidade não se perdeu. Porque o medo cinematográfico não é uma mera antologia de “sustos”, antes uma arte delicada de saber ver para além das aparências da existência humana.