O presidente do Comité Olímpico Português veio chamar a atenção para a necessidade de evitar o "nacionalismo" das medalhas... mas ninguém lhe deu atenção. Havia coisas mais importantes (isto é, omeletes) para noticiar — este texto foi publicado no Diário de Notícias (17 Agosto), com o título 'A cultura é uma omelete'.
Um dos grandes défices ideológicos do regime democrático saído do 25 de Abril é a sua incapacidade para pensar as relações entre “televisão” e “cultura”. As aspas justificam-se como uma sinalização inicial, para lembrar os vícios dominantes: a televisão seria um veículo neutro de “difusão” (é mesmo um assunto afectado pela virose das aspas...), a cultura só aconteceria quando se pensa em coisas “sérias” do género pintura abstracta, música dodecafónica ou filmes de Manoel de Oliveira.
Esta miséria de pensamento, em que “ideólogos” de todos os quadrantes políticos se equivalem na promoção do mesmo anedotário voluntarista, faz com que o essencial, isto é, a cultura do quotidiano, se tenha transformado numa festiva parada de monstruosidades. Veja-se a vergonha simbólica dos últimos dias, com a promoção das “medalhas” (foi só uma...) a uma espécie de retorno de D. Sebastião para nos compensar de tudo aquilo que nunca ganhámos.
Fazer cultura não é um passe social para promover o “bem”. Fazer cultura é uma permanente guerra de valores, separados por violentas contradições, isto é, implicando escolhas. Na abordagem da nossa participação olímpica, as televisões escolheram quase sempre o alarido grotesco de um “patriotismo” obsceno. Vicente Moura, presidente do Comité Olímpico de Portugal, veio lembrar que discutir medalhas era irrelevante e que importava avaliar o efeito da indiferença de sucessivos governos em relação ao desporto escolar... Consequência televisiva? Vicente Moura foi metodicamente reduzido a uma miserável personagem secundária.
Nos últimos dias, os grandes acontecimentos “noticiosos” foram uma omelete que deu entrada no Guinness e a agressão de um jogador de futebol a um árbitro (algumas “notícias”, influenciadas por fantasmas das lendas bávaras, sugerem mesmo que o árbitro simulou a sua espectacular queda...). Entretanto, não houve destaques para João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata, que saíram do Festival de Locarno com dois prémios para o cinema português. Quem? Onde? Ainda se Locarno fosse uma terra de omeletes...