FOTO: Robin Holland |
Conversando sobre o seu filme O Futuro, agora estreado entre nós, Miranda July sublinha as fronteiras vagas entre o realismo e o fantástico, a representação e a performance — este texto foi publicado no Diário de Notícias (17 Agosto), com o título 'As histórias cómicas e dramáticas de Miranda July'.
Miranda July é uma cineasta americana cujo trabalho de realização tem sido indissociável da sua condição de actriz. Foi assim na sua primeira longa-metragem, Eu, Tu e Todos os que Conhecemos (2005). Volta a ser assim em O Futuro, revelado no Festival de Berlim de 2011 (agora nas salas portuguesas). Talvez por isso, quando dialogamos com ela num encontro de imprensa, pressentimos que as suas histórias podem envolver uma dimensão autobiográfica.
O certo é que, sem negar tal possibilidade, ela resiste a qualquer programa maniqueísta: “Claro que acabo por integrar coisas que têm a ver com a minha experiência pessoal, mas ao mesmo tempo sinto que nunca faço nada de verdadeiramente autobiográfico. Além do mais, durante a preparação de O Futuro conheci o meu marido [Mike Mills, realizador de Thumbsucker e Beginners], casámo-nos... Enfim, é uma história muito diferente.”
O Futuro não é a história de um casamento, mas sim de uma relação cujos protagonistas, Jason e Sophie (Hamish Linklater e a própria Miranda July), procuram compreender as razões da sua insatisfação. De tal modo que tomam uma decisão “radical”. Ou seja: comprar um gato... Comédia? Drama? “É verdade que não sabíamos muito bem como classificar o filme”, reconhece a realizadora. “Quando participei numa primeira reunião de preparação do marketing do filme para festivais, hesitámos todos: é um drama, mas implica um certo grau de realismo... É também uma comédia, mesmo se aquilo que procuro possui uma outra carga emocional.” O próprio cliché da “crise de comunicação” não basta: “Creio que é mais sobre o que realmente somos, o que temos para dar. Afinal de contas, se não estivermos presentes, não é fácil comunicar. Por vezes, isso decorre de uma sobrecarga de palavras e linguagens. Num certo sentido, trata-se de suspender tudo e procurar determinadas imagens e objectos – creio que no meu filme há vários objectos que acabam por adquirir uma forte carga emocional.”
Miranda July gosta de dizer que O Futuro é um objecto que nasceu da sua própria idade (tinha 36 anos quando da respectiva rodagem). Corresponde a um momento particular em que “há um desejo de estabelecer relações com tudo o que desconhecemos”, mas sem que tal implique o retrato simbólico de uma determinada faixa etária: “A possibilidade de fazer uma declaração em nome da minha geração é qualquer coisa que me paralisa... Não quis, de modo algum, especular sobre o que significa ser uma outra pessoa.” Daí uma assumida teatralidade que provém da sua experiência em galerias de arte como “performer”: “É verdade que, depois do primeiro filme, quase deixei de trabalhar nesse campo. Mas também é verdade que, numa cena de O Futuro, usei todos os detalhes de uma das minhas performances, como um instrumento que me ajudou a sentir-me mais liberta.”
Enfim, Miranda July é um paradoxo vivo. Cineasta de gosto experimental, sensível às novas tecnologias, pedimos-lhe que, entre os filmes que viu recentemente, recorde aquele que mais a impressionou. Pois bem, é um melodrama de guerra, chama-se Random Harvest (título português: A Noiva Perdida), conta com o par Greer Garson/Ronald Colman e foi realizado por Mervyn LeRoy. Quando? Em 1942. É bom saber que o futuro está cheio de passado.