quarta-feira, agosto 22, 2012

Sobreviver em "Missão Impossível"

O quarto capítulo de Missão Impossível, dirigido por Brad Bird, já disponível em Blu-ray consegue recuperar algo da magia do primeiro título da série, assinado por Brian de Palma — este texto foi publicado no Diário de Notícias (21 Agosto), com o título 'Tom Cruise em tempo digital'.

Nos extras da edição em Blu-ray do filme Missão Impossível: Operação Fantasma há um curioso documentário sobre uma cena rodada no Dubai, no Burj Khalifa, o mais alto edifício do mundo (com 163 andares e mais de 800 metros de altura). Para além de ficarmos a saber que Tom Cruise fez a mais parte dos planos da cena, deparamos com um aparato técnico e humano verdadeiramente impressionante. Eis uma boa maneira de contrariar os lugares-comuns da visão mais pitoresca do trabalho cinematográfico (mesmo para as produções de reduzido orçamento), contrapondo algo de bem diferente: cada imagem que vemos no ecrã nasce de um elaborado sistema de tarefas e colaborações. Nada a ver, portanto, com a visão anedótica da fabricação dos filmes, tantas vezes favorecida por esse discurso demagógico, de raiz televisiva, que trata a produção audiovisual como uma acumulado de “apanhados” mais ou menos caricatos.
Vale a pena sublinhar também o paradoxo que assim descobrimos. Por um lado, é verdade que as imagens deste quarto episódio da série Missão Impossível nascem de um labor específico, muito concreto e minucioso; por outro lado, há em todo um filme um crescente efeito onírico (“Não sei bem se isto está a acontecer”, diz a certa altura uma personagem) que confere à narrativa o espírito de uma fábula construída, não a partir de cenários de um mundo mais ou menos bizarro, mas sim de lugares e objectos emblemáticos do nosso presente.
Missão Impossível: Operação Fantasma, de Brad Bird, quarto título da série protagonizada por Tom Cruise, reencontra o espírito ambíguo do primeiro filme, Missão Impossível (1996), dirigido por Brian de Palma. O retrato das convulsões da geopolítica, visto sempre a partir da acção de uma complexa rede de espiões e agentes secretos, conduz a uma insólita perda de coordenadas. Desde logo, como acontece na cena do Burj Khalifa, porque os seres humanos se confundem com figuras abstractas de um jogo de vídeo; depois porque a proliferação de comunicações gerou um novo mapa do planeta em que todos os vectores tradicionais de medida de espaço e tempo estão drasticamente alterados.
Tudo se passa como se a nova idade digital (com os seus gadgets, telemóveis e computadores) tivesse imposto um misto de euforia e angústia em que já não é possível existir nenhum equilíbrio entre paisagem e figura humana. Na prática, a personagem de Tom Cruise, o agente Ethan Hunt, já nem sequer se afirma a partir do quartel-general da entidade (IMF – Impossible Missions Force) para que trabalha: ele existe como um nómada do digital. Nas aventuras clássicas, a começar pelos westerns, os heróis definiam-se a partir do desejo de voltar a casa ou, pelo menos, pela possibilidade de se fixarem num determinado lugar; Ethan Hunt, nosso contemporâneo, é apenas aquele que se distingue por uma vertiginosa capacidade de sobrevivência.