Madonna em Zurique, 18-08-2012 FOTO: madonnalicious |
Ao contrário do que possa sugerir o cinismo dos tempos, a defesa da liberdade para as Pussy Riot por diversas figuras do meio artístico — Madonna, Yoko Ono, Sting, etc. — está muito para além de qualquer "onda" mediática. E não pode ser reduzida ao efeito de multiplicação hoje em dia típico das (chamadas) redes sociais. Em boa verdade, todos os que, das mais diversas áreas, têm vindo apelar à libertação de Nadezhda Tolokonnikova (23 anos), Maria Alekhina (24) e Yekaterina Samutsevich (29) fazem-no em nome de princípios básicos de expressão que pressupõem a coexistência da singularidade individual com os desígnios de qualquer discurso estatal.
A questão não é secundária e não pode, insisto, ser reduzida às formas de folclore virtual que, a propósito de tudo e de nada, se deliciam com a proliferação mais ou menos arbitrária de links... No limite, o que está em jogo é a questão do Estado, sua identidade, legitimidade e limites. E não apenas porque a sentença de dois anos de prisão (ver notícia na MTV) surge como dramaticamente deslocada e, como muito bem referiu Madonna, desumana. Acontece que, assim, ficamos também a saber que há uma arquitectura estatal (na Rússia) que se dá bem com o facto de gerar imagens como esta:
The Pussy Riot trial - in pictures (The Guardian) |
Exprime-se aqui um sentido teatral da justiça, por certo inerente à aplicação da Lei em qualquer contexto, mas neste caso instrumentalizando até à "banalidade" voyeurista os próprios cidadãos que vai julgar.
Nesta perspectiva, a manipulação iconográfica das Pussy Riot pelo Estado russo relança um tema que, tantas vezes, nas nossas sociedades mais liberais, menosprezamos como secundário ou "ultrapassado" — de facto, o Estado é também uma máquina incessante de produção figurativa, não poucas vezes alicerçando nessa produção princípios de acção aplicados para o bem "colectivo".
Onde está o Estado? — eis uma pergunta que importa não deixar dissipar-se na reivindicação ingénua de uma "liberdade" deslocada de qualquer contexto concreto e sem memória histórica. Saber onde está o Estado é, pelo menos, um exercício sobre o qual as Pussy Riot têm algo para dizer. E nós com elas.