Cineasta com o gosto da experimentação, Miranda July é também uma discípula das teias tradicionais do melodrama: O Futuro é, precisamente, o resultado dessa combinação — este texto foi publicado no Diário de Notícias (17 Agosto).
Quando visitamos o site oficial de Miranda July, encontramos um rectângulo branco com uma indicação precisa: “Escreva a password secreta”. Em letra miudinha, é-nos sugerido que “limpemos o espírito e olhemos para dentro”. Ora, que palavra escrever? Em boa verdade, podemos experimentar o que quisermos, desde o apelido de uma namorada secreta da escola primária até ao número de código da lei de saúde da administração Obama... Na prática, o site aceita sempre que entremos! Com uma legenda reconfortante: “Como é óbvio, você sabe daquilo que estou a falar.”
Miranda July é uma artista deste tempo de insólitas formas de comunicação. E também das suas ambivalências, fúteis e divertidas, dramáticas e cruéis. De facto, podemos circular pelos domínios mais inusitados, apenas porque... podemos. Alimentando, desse modo, uma ilusão pueril: julgamos que nos conhecemos melhor mas, momento a momento, confundimos a nossa ligeireza com o controlo simbólico das relações humanas.
O Futuro é, justamente, um espantoso filme sobre tudo aquilo que, num cenário aparentemente tranquilo (um par com uma existência segura e estabilizada), nos confronta com o que não sabemos e temos medo de enfrentar. Daí a calculada ironia do seu título. Miranda July parece sugerir uma visão “sociológica” (afinal, como é que este par pode sobreviver aos seus impasses?), mas o que coloca em cena é a própria rarefacção das medidas tradicionais do tempo: O Futuro é uma fábula moderna sobre o renovado enigma do presente. Estabelecer alguma ponte com o outro que vemos à nossa frente é sempre um pouco mais do que carregar num link da Internet. No limite, Miranda July contempla a diferença radical dos corpos e o seu cinema acontece, literalmente, à flor da pele.