Dead Can Dance
"Anastasis"
PIAS Records
3 / 5
Este texto é uma versão revista e acrescentada de um artigo publicado na edição de 13 de agosto do DN com o título 'A ressurreição de uma lenda alternativa'.
Foi há 30 anos. E durante uma sucessão de discos os Dead Can Dance participaram na construção de uma identidade que, sem abdicar nunca da expressão de uma personalidade individual, definiu juntamente com nomes como os Cocteau Twins, This Mortal Coil ou o coro que lançou o álbum Le Mystère des Voix Bulgares, aquilo a que então se chamava o “som 4AD” (espaço que representou então um dos mais importantes e aclamados terrenos de criação nos domínios da música “independente”). Separaram-se depois de um "derradeiro" álbum de originais em 1996. Reuniram-se para uma digressão em 2005. E agora, na hora de regressarem uma vez mais à estrada, editam Anastasis (ou seja, “ressurreição”, em grego) o seu primeiro álbum de temas originais em 16 anos.
Como na origem, os Dead Can Dance são hoje constituídos por Lisa Gerrard e Brendan Perry. Anastasis é um fruto direto da memória do som clássico dos Dead Can Dance, mantendo firme o seu interesse por músicas de outros tempos e outros lugares (afinando desta vez os focos da curiosidade em torno de espaços da Grécia e da Anatólia), sob cenografia algo assombrada, meticulosamente elaborada, contando com a presença de cordas e electrónicas. Nem pop nem world music. Nem moderna nem antiga. A música dos Dead Can Dance desde cedo definiu uma linguagem que segue antes o seu próprio destino, adiante de formas e géneros. Vive da personalidade vincada das vozes contrastadas de Gerrard e Perry, de um interesse evidente pelas percussões e pela exploração de texturas (contando aí com sintetizadores), um gosto pela abordagem a instrumentos de outras geografias ou épocas (e basta lembrar o álbum Aion, de 1990, para encontrar um invulgar olhar contemporâneo sobre ecos da música do renascimento) e um cuidado evidente na forma de cenografar todos estes elementos. Nos anos 80 (e inícios dos 90) distinguiam-se claramente dos outros nomes que, com eles, faziam os rostos mais reconhecidos e aclamados desta importante face do catálogo da editora 4AD. Juntos estabeleciam uma frente que optava por uma noção de elegância em detrimento da urgência e angulosidade rock’n’roll ou o melodismo mais imediato da pop, contando ainda com as capas de requintado design de Vaughan Oliver como expressão visual dessa identidade. A 4AD é hoje uma “casa” diferente, com nomes como os de Bon Iver, Twin Shadow, St Vincent, Atlas Sound ou Grimes entre os mais ativos do atual catálogo. Mas, editado pela Play It Again Sam, o novo disco dos Dead Can Dance expressa um sentido de herança natural da memória desse legado. Elegante nas formas, sofisticado no cuidado do desenho das linhas, suave nos ambientes, Anastasis não traz na verdade nada de realmente novo. Nem procura saciar uma noção de nostalgia. Mas acolhe heranças dessa visão, integrando-as num corpo atual que reconhece, além das marcas de ligação ao passado da banda, sinais dos tempos que passaram. Sendo que, no final, Anastasis parece bem mais próximo de gravações dos Dead Can Dance que das mais recentes criações a solo dos seus elementos. Talvez não conquiste muitos novos seguidores. Mas satisfaz os admiradores de longa data.