quarta-feira, agosto 15, 2012

John Lennon nos Jogos Olímpicos

Que ficou da acumulação supérflua de "números" musicais na cerimónia de encerramento dos Jogos Olímpicos de Londres? Mais do que isso: durante todo o evento, que imagens resistiram ao fluxo rotineiro da "comunicação" televisiva? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (14 Agosto), com o título 'A segunda morte de John Lennon'.

Bizarra contradição: num tempo de obsessiva gestão financeira dos minutos televisivos, a cerimónia de encerramento dos Jogos Olímpicos alongou-se, em apoteóticas redundâncias, por mais de três horas. Dir-se-ia uma versão histérica do clássico Top of the Pops, da BBC, repisando até ao mais entediante vazio a vulgata da “união olímpica”, pontuada pelas imagens dos atletas a pular para as câmaras (imitando o cliché mediático dos adeptos). Foi uma eloquente ilustração do princípio dominante da globalização, já enunciado pelo filósofo alemão Peter Sloterdijk: a globalização “já só conversa consigo própria, em conversas em que se celebra a si própria como tema dominante” (in Palácio de Cristal, ed. Relógio d’Água, 2008). Afinal, por mais simpatia que as Spice Girls possam suscitar, convenhamos que o seu come back dificilmente dará entrada na galeria das grandes ideias olímpicas...
Nada disto tem a ver com a nobreza original dos ideais que justificam os jogos. Mas Londres 2012 deixa a sensação pueril de uma celebração “colectiva” que se esgota na afirmação provinciana das “nacionalidades”: em Portugal, entre governantes e jornalistas, foram muitos os que passaram quinze dias a tentarem convencer-nos que canoagem, natação ou ténis de mesa, depois de quatro anos de ausência das manchetes, encerravam o segredo de uma gloriosa redenção nacional.
Que imagens ficam? Muitas e nenhumas, de tal modo a acumulação arbitrária passou a ser o único modelo universal de “comunicação”. Em todo o caso, quando irrompeu o grande plano do rosto de John Lennon (a cantar Imagine), a paisagem televisiva foi abalada por um frémito de verdade e carnalidade. Que seja a imagem de um morto a lembrar-nos que estamos vivos, eis o que diz bem da miséria audiovisual que habitamos [video: Imagine, 12-08-2012].